Piquete de mulheres em frente a batalhão de Vitória (ES) Foto Agência Brasil
Filipe Skiter e Thau Pastrelo, de Vilha Velha (ES)

Nesse dia 10 de fevereiro, o Portal do PSTU esteve no 4º Batalhão da Polícia Militar do Espírito Santo, no bairro Ibes, em Vila Velha, onde conversou com duas mulheres representantes do Movimento de Familiares dos PMES, que bloqueavam a entrada para impedir a passagem dos policiais.

Elas explicaram o que desatou o “movimento dos familiares” (forma pela qual se referem ao movimento, já que greve é proibido na PM), as condições enfrentadas pelos militares e a relação desse movimento com a luta dos servidores contra o arrocho do governo.

Por motivo de segurança, a identidade das entrevistadas não é revelada.

Portal do PSTU:  Neste dia 10 de fevereiro foi noticiado em rede nacional que o governo e os policiais fecharam um acordo e que o movimento acabaria hoje. Qual é a versão de vocês sobre essa notícia?
Esposas dos PMs: Bom, a princípio, a gente quer deixar bem claro que essas associações não representam o movimento, isso foi uma manobra do governo para tentar acabar com nosso movimento. E a gente sabe que a gente já tentou negociar com eles (o governo) mas não com (a pauta) que eles publicaram nas principais mídias.

Mesmo porque a gente entende o seguinte: se as negociações tivessem sido feitas com as propostas que nós tínhamos apresentado, ou com a ata que nós apresentamos com as propostas que nós levamos nas reuniões que nós participamos, nós teríamos acatado, mas o que acontece é que essa negociação foi boa só para as associações, não foi boa (para os PMs). Não estava dentro do que nós pedimos, porque nós não pedimos viatura, colete, arma, não, porque isso é dever do Estado fornecer ao funcionário. Nós só pedimos o reajuste salarial com as perdas inflacionárias e, no caso nem é mais anistia que se dá o nome, entendeu? No caso, seria a não punição da tropa porque a tropa não cometeu crime algum.

Como são as condições de trabalho dos policiais? E quais são os problemas que eles enfrentam?
Bom, a Polícia Militar vem sendo desvalorizada, isso é fato, os nossos militares tem problemas como viaturas que estão sucateadas no pátio, o governo não investe nesse sentido. Recentemente, a gente teve um militar que foi punido porque ele não queria abrir mão de um item de segurança obrigatório, que é o colete. Nós temos militares que estavam com os coletes vencidos. E essa troca de colete que estava havendo não pode existir, gente, é um item (pessoal), cada militar tem que ter o seu. O governo, então, não oferece condições básicas de trabalho para que possam atuar em segurança.

Outra coisa, eles não recebem nada além do salário no contracheque, a não ser as escalas extras, pois se eles estão tirando escalas extras é justo que seja pago. Agora, se o policial bate com a viatura, ele tem que pagar a viatura, entendeu? Quer dizer, ele não recebe nada por dirigir essa viatura. Você está entendendo essas contradições? O governo é irracional e tem a coragem de dizer que nós é que somos irracionais.

Eles não tem direito de nenhum tipo de benefício de alimentação ou semelhantes? Hora extra?
Não! Nada, nada. É só o salário, aí vem os descontos, não é nem hora extra, é escala extraordinária. Porque se o policial foi atender uma ocorrência, ele está no DPJ (Delegacia de Polícia Judiciária), ele sai às 19h, mas só conseguiu sair do DPJ à meia-noite, ele não vai receber por aquelas horas que ficou ali, entendeu? E tem outra coisa, quando o policial prende ele é chamado, ele recebe um ofício da justiça para ir ao Fórum para poder ser ouvido. Se ele estiver de folga, ele tem que comparecer e ele não é restituído por isso. Entendeu? Então, na verdade, ele é um profissional 24 horas. Tem que estar à disposição.

Como o governo tratou o movimento desde o começo? E como foi a relação com os oficiais?
Bom, desde o começo o governo nos colocou como pessoas irracionais, como mulheres que, como  o André Garcia (Secretário Estadual de Segurança Pública) nos colocou, como pessoas irredutíveis, e eles tentam de qualquer forma nos calar.

Em relação aos oficiais, alguns oficiais, não todos, nos apóiam nesse movimento, mas assim, na maioria a gente sente que estão acuados por estarem nessa posição e serem pessoas que passam ordens para o resto da tropa. Não é à toa que o nosso Secretário de Segurança foi à mídia e colocou que ele iria punir de soldado à subtenente, quer dizer, só os praças.

Mas existem muitos oficiais que estão apoiando a causa, eles são solidários, mas eles recebem ordens, quer dizer, eles tem que cumprir essas ordens, mas não significa que eles não são solidários, eles são solidários a nós, mas eles tem que fazer aquela pressão, porque existe a hierarquia e ordens. Ordens, como se diz, são para ser cumpridas. E nós estamos aqui pra nos certificar de que o governo vai negociar com a gente.

Mas, o governo, então, nesse período não tentou abrir negociação, oferecer alguma proposta, como foi isso?
Eles são irredutíveis. Eles querem impor que só vai haver acordo se o movimento terminar. Essa é a imposição do governo. E a gente não vai ceder quanto a isso. Eles querem que primeiro termine o movimento para depois negociar.

Qual é a opinião de vocês e dos PMs sobre a desmilitarização?
Olha, no momento, a gente nem tem o que falar sobre isso, porque não é o objetivo da manifestação. Então, acho que isso não cabe a nós, esposas, que somos leigas nesse assunto falar algo a respeito disso. Então, eu acho que essa parte nós deixamos para as pessoas competentes resolverem, né…

Só mais uma questão sobre isso, é que na pauta do movimento, pelo que apuramos, havia um ponto contra as prisões e os maus tratos. Vocês acham que isso tem relação com o regime militar que existe dentro da corporação?
Sim. Sim, porque o policial ele é punido em três esferas, administrativa, militar e civilmente. A pessoa, o cidadão comum, se ele responde a um processo, ele responde uma vez só, o PM responde pelo mesmo crime três veze. São discussões muito complexas que nesse momento não cabe a nós.

Em relação à questão da repressão aos movimentos sociais? Isso ocorria em relação ao movimento estudantil, aos sindicatos, mas agora está ocorrendo repressão ao movimento que vocês estão realizando. Como é que vocês estão vendo isso?
Pois é. Olha só, eu acho que agora, os movimentos sociais, os manifestantes, os militantes, eles estão conseguindo ver um pouquinho o outro lado da moeda. Porque aqui são seres humanos que estão vestidos dentro da farda. Mas, como já foi dito, o militarismo os impede de não acatar as ordens. Então eu acho que agora estão mostrados os dois lados da moeda.

Como vocês viam e vêem agora esses movimentos sociais?
Bem, acho que a gente vê hoje os movimentos sociais como uma forma de estar indo contras as políticas impostas pelo governo. Eu acho que toda classe que for à porta do governo reivindicar tem sim o direito de diálogo, de reivindicar sim. Acho que a partir desse movimento, as pessoas vão se unir mais em prol das outras categorias. A gente vê isso, que a população não quer mais se calar diante das injustiças que o governo vem cometendo. Ele impõe coisas que não deveria.

E a visão sobre o governo mudou também?
Com certeza!!! (em coro) Porque, nossa, ele é ditador, ele fala que nós somos sequestradoras, mas ele que é um psicopata. Nossa, o papel que ele está fazendo é de um psicopata, um louco, ele perdeu a razão, está disseminando o terror, “não vou deixar pedra sobre pedra”, isso é assim, incitação de ódio.

E em relação à mídia, os maiores veículos de comunicação, também mudou um pouco essa visão, ou vocês já tinham um pouco dessa crítica?
Olha, eles não tem mais como calar a gente, chegou num ponto em que eles não tem como esconder a verdade, manipular a verdade mesmo. Nos primeiros dias foi até manipulado, mas agora não tem como mais. Chegou numa situação em que eles tem que colocar o que realmente estamos falando. Inclusive ontem foi anunciado em rede nacional que o acordo tinha sido fechado e que os batalhões seriam desocupados, minutos depois isso foi desmentido em rede nacional, quer dizer, olha as contradições, entendeu?

E sobre essa fala da mídia que está acusando os soldados aquartelados e as mulheres que estão na manifestação como responsáveis pelas mortes que estão acontecendo. O que vocês acham disso que a mídia está fazendo? Quem que é o responsável por essas mortes?
Olha gente, é muito sério isso, é uma acusação muito grave. Eu entendo que tenha acontecido muitas mortes, muita coisa, mas na verdade isso sempre houve, só que o que aconteceu agora numa proporção maior porque o policiamento não está na rua. Mas isso não cabe a nós. Nós estamos aqui, nós somos família, como é que nós podemos ser responsabilizadas pelo o que vem acontecendo, sendo que o governo não quer negociar? O responsável é ele, ele é o administrador do nosso Estado, ele é responsável por cada cidadão desse Estado, por cada pessoa que tem aqui, pessoa de bem ou não. Independente do que a pessoas seja. Mas nós somos solidárias e nossa alma está sangrando e chorando pela sociedade, nós estamos aqui clamando para que o governador ouça, nos ouça, vamos negociar!

Muita gente, para deslegitimar o movimento de vocês, vai dizer que existem outras formas de reivindicação. Por que teve que ser uma ação tão dura para que o governo entendesse o recado? Teria outra forma de mobilização?
Olha, muitas outras formas de negociação foram tentadas, entendeu? Tentadas por nossos representantes, as associações, que nos representavam, né, porque a partir de ontem não nos representam mais. E foram tentados vários caminhos, reuniões com os deputados, com Assembleia, entendeu? Foram tentados todos os caminhos legais. Então, se o governo simplesmente não nos ouviu pelos caminhos legais, infelizmente, temos que ser radicais. Entendeu? Fechar!

O governo se mostrou intolerante. Mas houve uma sinalização da ALES e da senadora Rose de Freitas também, quais eram os interesses dessas sinalizações?
Todas essas sinalizações tinham interesse só de fazer propaganda, não queriam resolver o problema. Nesse momento, muitas estrelas estão querendo se levantar. Políticos… né? Estão querendo virar estrela, só que o movimento não tem politicagem, não tem nenhum candidato a deputado, não tem político, é um movimento social. Não é um movimento político. Então, eles nos convidaram para participar dessa reunião, para mostrarem para a sociedade “olha, nós estamos tentando… elas que não querem…”, entendeu? Quando, na verdade, o governador não recebeu nem a senadora Rose de Freitas. Nem ela. Entendemos que ela estava querendo se promover? Sim! Mas ela pelo menos tentou fazer o contato, mas ele se recusou a atender a Assembleia! Vocês entendem o que é isso? É muita coisa.

Essas reivindicações que vocês estão trazendo são reivindicações de quase todo serviço público que não tem conseguido seus reajustes. Essas categorias têm feito também manifestações pelos seus direitos. Qual recado que vocês deixariam para essas pessoas?
A gente faz um apelo para que a população e as outras classes se unam, que não deixem de reivindicar seus direitos.

Acho que agora as categorias têm que se apoiar umas às outras pelo mesmo objetivo. Se é o reajuste, se é garantido por lei, vamos lá, vamos juntar todo mundo no mesmo movimento e ir para a porta do governo, uma hora ele vai ter que ceder.

Acho que este movimento foi um aprendizado para que todos os sindicatos e movimentos sociais de todas as classes que estão reivindicando seus direitos, isso foi um aprendizado pra todos. Acho que todo mundo está enxergando que todos temos que nos unir. Se todas as classes se apoiarem, eu acho que dá certo. É uma vitória. A união faz a força.

O que vocês tem a dizer sobre a dificuldade de fazer essa luta sendo mulheres e sofrendo todo tipo de assédio e opressão machista?
Nós sofremos muitos xingamentos, ofensas, ameaças, principalmente dos governantes e seus subordinados. Fomos ameaçadas de diversas formas, sofremos terror psicológico. Nossos companheiros ficavam desesperados quando contávamos o que o governo fazia conosco nas reuniões.

Por último, sabemos que essa luta de vocês está relacionada com várias outras lutas que ocorreram e vão ocorrer como a reforma da Previdência, que também atingirá os policiais. Vocês estão dispostas a lutar junto com outras categorias contra esses ataques? Isso as preocupa?
Estamos dispostas sim a lutar junto com outras categorias em defesa de nossos direitos. Mas a partir de agora, são os governantes que devem se preocupar.

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