Entretenimento e racismo: nunca é só uma piada

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Vanessa Lima, da Juventude do PSTU de Curitiba

 

O racismo está impresso na cultura do país. Estereótipos são facilmente propagados através de piadas e a indústria do entretenimento se apoia fortemente nos pilares das opressões. Em geral, seu gênero ou etnia nunca serão requisitos para pré-julgamento de caráter ou personalidade enquanto você for um homem branco.

No Domingo de Páscoa (16/04), o apresentador Danilo Gentili publicou uma foto no Facebook com Juliana Oliveira, um ovo de páscoa e a legenda “De um lado esse maravilhoso chocolate de primeira que comerei o dia todo durante esse domingo tão especial. Do outro lado um ovo de Páscoa escrito meu nome”. Após acusações de racismo serem levantadas, Juliana saiu em defesa de Gentili e da publicação.

A piada expressa tanto machismo quanto racismo. Sem novidades aí. Programas televisivos se apoiam ideologicamente em racismo, no machismo, LGBTfobia para atrair e manter audiência. Mesmo existindo várias maneiras de produzir um conteúdo sem depender de estereótipos, isso não é uma característica unicamente brasileira.

A ideia de que somos todos iguais dentro das estruturas sociais, que o Estado e burguesia não vêem (ou nunca viram) negros e indígenas como ameaças é falsa. Facilmente se perde quando observamos que o assassinato de mulheres negras cresceu 54% e o de brancas diminuiu 10%; a taxa de desemprego para negras/os corresponde a 14,3% e entre brancos, 5,1%; trabalho infantil, 14,1% são negros e 5,4% brancos; nas universidades, estudantes negros representam 12,8%; nos presídios, 61,6%; ou observamos até mesmo o fato de Juliana Oliveira ser, possivelmente, a primeira comediante negra no SBT num país onde 54% da população é negra, e sua função acaba por ser entretenimento através do encorajamento da sexualização da mulher negra, reforçando estereótipo de, bisbilhoteira, submissa, servente, etc.

Existe uma grande responsabilidade sobre os ombros de pessoas públicas e produtores de conteúdo, suas vozes sempre servem à um discurso. Que discurso? Existe o poder de escolha. Lin-Manuel Miranda, Ava DuVernay, Michaela Coel, Wanda Sykes, Elza Soares, Carolina de Jesus, Mc Carol, Liniker, Margareth Menezes são artistas que escolhem representar a sua identidade em suas obras e, por consequência, criam identificação com tantas pessoas.

Danilo Gentili fez sua escolha ainda na Band, um talk-show espelhado nos de Jimmy Fallon e Jô Soares, poucas inovações, em geral, apenas mais do mesmo, inclusive na transição para o SBT. Figura influente para a juventude brasileira, Danilo já foi acusado de racismo nas redes sociais por causa de uma piada. Foi levado à justiça, mas Gentili não foi penalizado.

É um erro fingir que opressões não existem. Propagar esse erro através de piadas, estereótipos, padrões sociais e físicos, geram consequências materiais na sociedade. Comédia é um gênero complicado, a construção da ideia, o roteiro, a representação visual, o timing, intensidade de fala, trejeitos… Tudo converge para gerar uma risada. O efeito cômico pode ser gerado de várias maneiras, mas em geral, nos levam à uma reflexão. Não é o que acontece com Danilo Gentilli, Murilo Couto, Léo Lins, Marco Luque, Eduardo Sterblitch, Oscar Filho e tantos outros, dependem, muitas vezes, das opressões, dos conceitos pré-estabelecidos no imaginário popular para entreter. Uma piada, nunca é apenas uma piada.