Haitianos em situação precária em Brasileia (AC)
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Redação

 

A chegada caótica, nas últimas semanas, de centenas de haitianos à cidade de São Paulo disseminou uma grande crise entre os governos estaduais do Acre e São Paulo, além da própria Prefeitura da capital paulista – chefiados respectivamente por Tião Viana (PT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT).

A pressa mútua de se “livrar” desta “dor de cabeça” – às vésperas da Copa do Mundo e a poucos meses das eleições burguesas – escancarou a demagogia e o preconceito de classe dos governos diante do drama vivido, em terras brasileiras, pelo povo negro do país mais pobre das Américas.

A gravidade política da crise aberta ficou evidente no fogo cruzado instalado, que não se limitou às trocas de farpas entre os governos estaduais do PT e PSDB. Não faltaram acusações de todas as partes envolvidas – até mesmo do prefeito Haddad contra Tião Viana, seu colega de partido. O fato é que não há nada de humanitário de parte alguma e a única preocupação é se livrar dos prováveis desgastes eleitorais.

Alckmin há muito tempo é conhecido por seu ódio e violência contra a população pobre e negra do país. Não seria diferente com os haitianos. Já Haddad, desde o início, tem se  demonstrado vacilante e omisso. Em nenhum momento cobrou de Dilma a responsabilidade da União para a resolução deste caso e, ao mesmo tempo, chegou a reclamar da chegada dos haitianos e a defender “limites” para a entrada deles na cidade.

No entanto, a face mais cruel da guerra política aberta é novamente o sofrimento do povo haitiano; sofrimento que não parece ter fim e ganha novo capítulo no ano em que se completou, no dia 12 de janeiro, quatro anos do terrível terremoto que atingiu o país. O saldo foi assombroso: mais de 200 mil mortos, 300 mil feridos e 1,5 milhão de desabrigados. Em junho deste ano, os haitianos “celebram” ainda outro aniversário: os dez anos da ocupação militar da ONU, liderada pelo Brasil sob o pretexto de levar paz ao país com as tropas da Minustah (nome oficial da ‘missão de paz’ da ONU).

Crise nova…
A atual crise começou em meados de abril, quando o governo acreano passou a pagar passagens de ônibus – com destino a São Paulo – aos haitianos que chegavam em solo brasileiro pelo norte do país. Em um período de 15 dias, cerca de 400 haitianos desembarcaram na capital paulista sem qualquer amparo. A maioria se abrigou de modo precário na paróquia Nossa Senhora da Paz, no bairro do Glicério, região central da cidade.

Segundo o governo do Acre, há três anos mais de 20 mil haitianos já passaram pelo Estado – a principal porta de entrada de quem se arrisca a sair do Haiti em busca de uma vida digna no Brasil. Tião Viana (PT) alega que diante da cheia do Rio Madeira o abrigo de Brasileia – responsável por acolher os haitianos que passam por ali como rota intermediária para chegar a seus destinos finais no país – teve de ser fechado. A medida, portanto, teria sido tomada em uma situação de emergência apenas para acelerar “o processo que os imigrantes normalmente fazem, mas que no geral é mais demorado”. Essas foram as palavras de Nilson Mourão, secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Acre.

Por sua vez, Alckmin e Haddad não gostaram nada de receber os haitianos na capital paulista. A justificativa, neste caso, é de que o governo do Acre foi irresponsável ao enviar os haitianos sem qualquer comunicação prévia e sem os documentos necessários para inseri-los no mercado de trabalho brasileiro. Apesar das muitas versões, há um denominador comum nessa história: o completo descaso dos governos pela situação dramática dos haitianos no país e a demagogia do Governo Federal, que se apresenta como um colaborador neutro e sem responsabilidades para a solução do problema.

Mas a verdade precisa ser dita: o governo petista completa, em 2014, dez anos de responsabilidade direta pela miséria brutal que vive o povo haitiano. Aqui e lá.

…Drama antigo
Desde a ocupação militar, a partir de 2004, o Haiti sofre uma intervenção implacável – intensificada após o terremoto de 2010. Envolvido na época com a invasão ao Iraque e Afeganistão, os EUA delegaram a tarefa de ocupar o país ao Brasil, que aceitou a missão de olho em uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Desde então, os governos de Lula e Dilma demonstraram uma subserviência exemplar ao imperialismo. Sob o pretexto de devolver a paz para os haitianos, garantiram os interesses econômicos e geopolíticos estadunidense no país. Os números que comprovam esse fato são assustadores: apenas 1% dos recursos enviados à reconstrução passaram pelo governo haitiano. A maior parte dos recursos é controlada por ONGs e instituições internacionais, como fundos norte-americanos e alemães, ou pela ONU.

Além disso, o PT gastou entre 2004 e 2012 mais de R$ 3 bilhões para manter as tropas brasileiras no país – dinheiro que poderia e deveria ser usado para saúde, educação, moradia e saneamento básico, completamente destruídos no país. Mas a função da Minustah, infelizmente, não é essa: é proteger as zonas francas (concentrações de indústrias), garantindo os lucros das multinacionais que ali se instalaram em busca de mão de obra mais barata, e reprimir as mobilizações dos trabalhadores que se rebelam contra as péssimas condições de trabalho e vida.

O lucro garantido pelo governo brasileiro aos empresários não se reduz às multinacionais estrangeiras. A manutenção do caos no Haiti beneficia a própria burguesia brasileira, que também passou a ocupar o país em busca de mão de obra barata. Um caso emblemático é Conteminas, empresa da família do vice-presidente do Brasil na gestão Lula, José de Alencar – falecido em 2011. A empresa fez um forte lobby para da Lei Hope II (Oportunidade Hemisférica Haitiana), que criou uma zona de livre comércio entre o país caribenho e os EUA. “O Brasil é reconhecido colaborador do processo de resgatar o Haiti. O país tem direito de pleitear um tratamento preferencial”, chegou a declarar o presidente do grupo e filho de José de Alencar, Josué Gomes da Silva.

Ao contrário do que dizem os generais e a mídia brasileira, o povo haitiano não tem nenhuma simpatia pela Minustah, que carrega ainda denúncias de estupros e massacres. O sentimento de revolta do povo negro e pobre das favelas do Rio contra as UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora) é sentido há muitos anos pelos haitianos contra a atuação – nada humanitária – das tropas brasileiras.

Neste sentido, não há dúvidas sobre o protagonismo nefasto do governo brasileiro para a atual situação dos haitianos no Brasil. Se o imperialismo, com as mãos sujas do PT, estivesse de fato interessado em reconstruir o país nenhum haitiano precisaria fugir para o Brasil sob o risco de se submeter a trabalho escravo e condições subumanas de existência. Aliás, é esta realidade que se verifica em território dominicano. Na República Dominicana os haitianos são usados como mão de obra barata em empregos temporários e ilegais, sendo depois enxotados de volta para o Haiti sem receberem seus salários.

Hipocrisia e omissão
Como se não bastasse o papel vergonhoso do PT no Haiti, o mesmo se repete no Brasil. Se hoje o governo sinaliza uma série de medidas para “facilitar” o ingresso dos haitianos aqui, com sua inserção no mercado de trabalho, não podemos esquecer que este mesmo governo anunciou em 2012 que fecharia suas fronteiras para os refugiados do Haiti.

Na época, o governo Dilma articulou uma resolução para que os haitianos só entrassem no país com visto concedido pela Embaixada Brasileira, em Porto Príncipe. Essa decisão ignorou a condição de refugiados desses trabalhadores. Com isso, foi desprezado o direito irrestrito do povo haitiano ao visto humanitário, definido por eles como “vistos pra inglês ver”.

Segundo a ONG Conectas, “os haitianos também dizem que a concessão de ‘visto humanitário’ na Embaixada do Brasil em Porto Príncipe não funciona como prometido – atravessadores cobram taxas, não há informação clara sobre os procedimentos, é difícil conseguir atendimento e tem sido pedido currículo para favorecer o que se chama “imigração qualificada” ao Brasil, sem levar em conta justamente o caráter “humanitário” que este visto deveria ter, de acordo com o próprio governo brasileiro”.

O caos vivido pelos haitianos no Acre é muito anterior à cheia do Rio Madeira – razão apontada por Tião Viana (PT) como a causa dos problemas. Em entrevista à mesma ONG, o haitiano Osanto Georges, de 19 anos, relatou em 2013, portanto quase um ano atrás, a situação degradante em que vivem os haitianos no Acre:

“Posso dizer que o que vivemos aqui em Brasiléia não é para um ser humano. Eles nos colocaram de novo no Haiti que tínhamos logo após o terremoto: a mesma sujeira, o mesmo tipo de abrigo, de água, de comida. Isso me machuca e me apavora. Eu sabia que o caminho até aqui seria duro, porque você está lidando com criminosos, mas, ao chegar aqui no Brasil, estar num lugar desses é inacreditável”, desabafou. “Esta política de visto humanitário está sendo tudo, menos humanitária”, disse João Paulo Charleaux, coordenador de Comunicação da Conectas, que esteve no local.

É preciso organizar uma ampla corrente de solidariedade
Em uma triste ironia, nossos irmãos de raça e classe encontraram como refúgio justamente o país do governo co-responsável por manter e aprofundar o caos sócio-econômico que vive o Haiti. Com isso, é a segunda vez que se tornam vítimas do governo brasileiro. Com isso, pela segunda vez é papel das organizações democráticas e de esquerda, dos movimentos sociais e das entidades de raça e classe organizar uma ampla campanha de solidariedade ao povo haitiano que desembarcou no país e, especialmente, em São Paulo.

O PSTU, desde já, se coloca novamente nesta trincheira com a reafirmação da luta pela desocupação das tropas brasileiras no Haiti. Mais do que nunca, precisamos gritar “Fora, Minustah!”.