I Convenção da Convergência, em 1978
Waldo Mermelstein

Embora seja um partido ainda jovem, as raízes do PSTU estão nas lutas das décadas de 1970 e 1980. O artigo abaixo, escrito por um dos fundadores do grupo trotskista Liga Operária, que deu origem à Convergência Socialista, principal corrente fundadora do PDe 1974 até o início dos anos 80 ocorreu o decisivo período de acumulação primitiva de quadros, em que o grupo fundador transformou-se em uma organização de vanguarda com certa implantação nacional em um país continental como o Brasil. Para não tornar esta pequena viagem pela história impessoal, menciono alguns dos personagens que participaram desse período, o que pode significar injustiça com os demais não lembrados, mas a intenção é apenas a de nomear alguns dos companheiros desta primeira fase em representação de todos.

O antecessor do núcleo fundador foi o grupo Ponto de Partida, formado por exilados brasileiros no Chile. Vindos de várias organizações de esquerda eles fizeram seu primeiro contato com o trotskismo através de Mario Pedrosa. Na época, foi publicada uma posição essencial no texto “A propósito de um sequestro”, em 1971, quando se pronunciou contra aquele método tão em moda à época e que era estranho à tradição marxista revolucionária por não se basear no movimento de massas para enfrentar a ditadura. Ao mesmo tempo o texto se solidarizava com os lutadores antiditatoriais.
No Ponto de Partida figuraram, entre outros, Enio Buchioni que esteve preso no Estádio Nacional em Santiago, depois exilado na Europa, além de Túlio Quntilhano, que não conheci pessoalmente, e que foi assassinado dias após o golpe de 1973 no Chile.

A Liga Operária foi fundada em Buenos Aires no final de 1973, por 4 militantes brasileiros que haviam estado no Chile durante o governo da Unidade Popular, com o apoio e solidariedade política do Partido Socialista dos Trabalhadores da Argentina. Três deles já tinham vínculos orgânicos com o trotskismo, em particular com a corrente animada por Nahuel Moreno. Eram Jorge Pinheiro, Maria José (ou simplesmente Zezé), e a Valderez Duarte. Os dois primeiros eram mais experientes e foram os principais condutores políticos e organizativos do grupo até 1979. Eu me juntei a eles em Buenos Aires, tinha pouca experiência política, havia tido a sorte de ir ao Chile estudar e participar do processo da Unidade Popular, militando no Movimento de Esquerda Revolucionário.

Retorno ao Brasil
No início 1974, ainda em Buenos Aires, iniciamos a publicação e difusão para o Brasil do jornal Independência Operária. O primeiro número entrou clandestinamente no país. A conclusão política do grupo era a de que após os anos de retrocesso, havia sinais de reanimação no movimento de massas do país. A ditadura sabia que teria que implementar medidas de descompressão controlada para evitar uma radicalização social e a euforia do milagre econômico havia terminado, fazendo com que a classe média começasse a passar à oposição ao regime. Vimos que havia espaços que se abriam e resolvemos voltar ao país, mesmo que os camaradas argentinos tenham expressado dúvidas quanto à conveniência daquele momento pela repressão da ditadura e pela nossa inexperiência.

Três cariocas e um gaúcho vieram a São Paulo, por ser o centro do país, para aproveitar o processo de efervescência que começava a ocorrer entre a vanguarda dos estudantes e a reconstrução de suas organizações. A opção foi ditada por sermos um pequeno núcleo fundador, que não podia dispersar suas forças, sob pena de não conseguir se implantar em nenhum lugar.

Éramos a última organização das grandes correntes trotskistas da época a se implantar no país, com o menor número de quadros e menor experiência. Mas o período era propício para um crescimento rápido. Havia avidez de discussão política. Havia um certo vazio político, o velho PCB tinha se desprestigiado, as organizações guerrilheiras foram duramente golpeadas, a oposição burguesa não atraía os estudantes e o PT ainda não existia. Uma política audaz, antiditatorial, que apostava na reconstrução independente das entidades estudantis e apresentava uma opção socialista, apontando para um objetivo além da derrubada da ditadura (e talvez o fato de não termos vínculos com o nacionalismo burguês nem com o stalinismo) resultaram no rápido crescimento. Em dois anos, chegamos a 100 militantes, sendo o centésimo membro um grande companheiro que foi barbaramente torturado pela ditadura em 77, o Celso Brambilla. Um importante setor da vanguarda estudantil do interior de São Paulo, em especial em São Carlos e Campinas, ingressou na organização. Alguns se transformaram em dirigentes sindicais e do partido, como são os casos do Dirceu Travesso, do Mancha, do Zezoca e outros. Na PUC-SP e na Escola de Sociologia e Política conseguimos uma importante inserção e alguns dos melhores representantes da vanguarda vieram militar conosco.
No Rio, ganhamos estudantes que seriam dirigentes da corrente até hoje como Bernardo Cerdeira e outros como Romildo Raposo, oriundo do PCB.

O Independência Operária garantia a coerência política do grupo, sendo impresso inicialmente em um mimeografo a álcool na periferia de São Paulo. Reproduzíamos nossas análises nos jornais das nossas correntes estudantis semi-legais.

O encontro com a classe trabalhadora
A partir de 1976-77, o grupo, após lograr uma acumulação de quadros, precisava se construir na classe trabalhadora e alguns quadros foram deslocados do movimento estudantil. Para isso, foi fundamental a unificação com um pequeno grupo de companheiros da Fração Bolchevique Trotskista, que tinham ligação com a corrente desde 1971 e tinham estado presos, o Júlio Tavares e o Arnaldo Schreiner. Lançamos um pequeno jornalzinho semi-legal, chamado Faísca. Além do Celso, a Márcia Basseto Paes, vindo da USP, era uma das que começaram a trabalhar nas fábricas. Por erro de avaliação quanto ao grau de abertura, fizemos uma panfletagem para o 1º de Maio de 1977, onde foram presos os companheiros Celso, a Márcia e um operário-estudante, bem jovem, que muito daria o que falar nas décadas seguintes, José Maria de Almeida, o Zé Maria. A prisão nos levou a buscar apoio no movimento estudantil: o velho operário Pacheco, ex-PCB, que participava da oposição sindical dos químicos no ABC foi levado por nós com outro operário metalúrgico da Scania, o Danilo, militante nosso, até à USP para denunciar as prisões e pedir a solidariedade na luta pela sua libertação. A resposta foi fulminante e desataram-se as primeiras manifestações de rua estudantis após 68.

Entre 1976-77 começava a se gerar o deslocamento político à esquerda dentro do movimento sindical. Nós pouco sabíamos sobre isso, mas recordo-me que o Danilo havia contado que havia algo de novo na diretoria do Sindicato Metalúrgico de São Bernardo, começavam a incentivar a mobilização, havia um tal de Lula….Lembro que pouca importância dei ao assunto…

Tivemos a política de centrar o trabalho em Santo André, com quadros deslocados do movimento estudantil para trabalhar em fábrica e começamos a cooperação tática com a diretoria dos metalúrgicos, iniciada com a realização do Primeiro de Maio classista em 78, o primeiro no ABC desde 68. Logo co-dirigimos a greve metalúrgica, com o Zé Maria, a Maria Salay e o Cipó.

Com as manifestações estudantis de 77 e o começo das greves operárias em 78, a dormência política do país começava a se esgotar. Era fundamental procurar incidir no processo. Mesmo sendo um pequeno grupo, procuramos seguir um dos ensinamentos mais importantes de Moreno: sempre tentar pensar grande, mesmo sendo um grupo pequeno, ter propostas arrojadas, em relação ao conjunto dos trabalhadores, ainda que sob o risco de nos equivocarmos várias vezes.

Propostas pioneiras
Daí surgiram nossas propostas para a reorganização política dos trabalhadores, no que fomos pioneiros na esquerda naquela época.

Primeiramente propomos a organização de um partido socialista. Em 1978, fizemos as primeiras reuniões socialistas públicas desde 69, mas não conseguimos grande adesão. A organização resultante deste processo, a Convergência Socialista, acabou por se resumir mais ou menos às nossas forças, mas conquistamos o espaço para a atuação semi-legal. O jornal Versus e o Convergência Socialista foram nossos canais de expressão pública e o Independência Operária deixou de ser publicado.

Com a constatação de que o espaço para a organização de um partido socialista no país era mínimo e por sugestão novamente de Nahuel Moreno exploramos a proposta de um partido de trabalhadores, com base central nos dirigentes sindicais que se desprendiam da velha pelegada. Foi a partir daí, coisa que poucas histórias honestas do PT admitem, que em janeiro de 1979 foi aprovada a moção levada pelo Zé Maria ao Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, em nome do Sindicato de Santo André. A moção propunha organizar um partido de trabalhadores, marco inicial da construção do PT.

Nosso crescimento já havia despertado a atenção dos órgãos de repressão desde 1975 e nossa inexperiência agravou o problema, ao exagerar o grau de abertura promovido pela ditadura conquistado pelo movimento de massas. Assim, relaxamos nas condutas básicas de segurança, o que facilitou a prisão em massa dos membros do Comitê Central em 78, além da prisão da principal figura de nossa corrente internacional, Nahuel Moreno.

Primeira crise
Uma nova geração havia surgido dentro da organização de quadros médios e dirigentes que não eram devidamente aproveitados pela antiga direção. Após um debate extenso e democrático, ainda que um pouco confuso politicamente, um grande setor dos que encabeçavam a oposição à antiga direção resolveu romper, mesmo tendo recebido todas as garantias democráticas e ter eleito cerca de 40% dos membros do Comitê Central. Permaneceram alguns dos que haviam formado a corrente opositora, incluindo companheiros que haviam participado da revolução portuguesa e haviam voltado ao país, como Valério Arcary e Enio Buchioni, e ex-dirigentes de outras correntes trotskistas, como Eduardo Almeida.

Começamos a impulsionar e participar de algumas das mais importantes oposições sindicais no país. Para citar apenas duas categorias: a oposição entre os professores estaduais de SP, fundada entre outros pelo Mauro Puerro, e a oposição bancária no Rio de Janeiro, onde serão sempre lembrados companheiros que já nos deixaram, como Peninha, o Tiago e o Julinho, permanecendo o Ciro Garcia, que até hoje é dirigente da categoria. São dois dos exemplos de uma obsessão permanente de nossa corrente: enraizar-se nos setores fundamentais da classe trabalhadora, o que também começou a nos dar uma composição marcadamente mais popular que as demais grandes correntes do trotskismo (o Secretariado Unificado e o Trabalho). Isso é parte da explicação para as diferentes evoluções políticas posteriores.

Uma diferença fundamental
Recomposto do que foi talvez a ruptura mais importante de nossa história, a de 79, voltamos a participar do processo de construção do PT. Porém há que assinalar uma diferença crucial com as demais organizações que se reivindicavam do trotskismo, o pessoal do SU e da corrente O Trabalho: ao contrário deles, mesmo tendo sido os primeiros a propor e aderir ao movimento pelo PT, graças à sugestão de nossa corrente internacional, definimos que o PT e sua direção eram, do ponto de vista histórico, um obstáculo para o processo revolucionário e que era necessário manter a independência política e organizativa ao trabalhar no seu interior, mesmo que fossemos aliados conjunturais na tarefa estratégica de avançar na independência dos trabalhadores frente aos partidos patronais. Nada mais premonitório, não como uma profecia, mas sim como uma análise marxista e o fruto da colaboração internacional que contribui com uma experiência coletiva que grupo brasileiro não poderia ter por sua própria conta. O resultado desta polêmica foi que as outras correntes trotskistas tornaram-se apêndices da burocracia petista e definharam do ponto de vista orgânico.

Já a corrente trotskista ortodoxa é há algum tempo a principal expressão do trotskismo no país.

Uma palavra final nesta curta introdução aos primeiros anos da formação de nossa corrente. A história de uma organização não pode e não deve ser uma forma de glorificação ou embelezamento do passado, tão ao estilo dos stalinistas e das seitas: não temos “história oficial”. Sempre procuramos encarar os acertos e os erros cometidos da forma mais equilibrada possível, sabendo-se sempre que as interpretações são abertas. O que se recorda, o que se esquece, o que se ressalta, sempre é seletivo.

Post author Waldo Mermelstein, de São Paulo
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