A estratégica região do Norte da África e do Oriente Médio, cuja estabilidade e rapina imperialista eram garantidas por ditadores sanguinários e entreguistas, encontra-se abalada por uma imponente onda de revoluções populares.
Quatro ditadores já foram derrubados pela ação das massas: Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen. Está em curso uma longa e sangrenta guerra civil na Síria e a histórica luta palestina recobra novo ânimo. Há muitos fatos e contradições. Há dois anos do iníciodas revoluções, é fundamental fazer um balanço, ainda que provisório, para tirar as lições e, a partir daí, traçar as perspectivas do processo geral.

Revoluções que continuam avançando
Apesar da impressionante ação revolucionária das massas, há quem diga que o que está acontecendo no mundo árabe não tem nada a ver com uma revolução.
Os líderes do castro-chavismo, por exemplo, opinam que é uma contrarrevolução, pois apoiam os ditadores questionados pelas massas árabes.  
Na “esquerda”, há os que afirmam, como a LER-QI ligada ao PTS argentino, que os acontecimentos naquela região não passam de uma simples “onda de protestos e rebeliões”, muito diferente de uma “autêntica revolução” porque os fatos não se ajustam aos seus esquemas.
Ainda há aqueles, como o MES-PSOL, que apoiam as revoluções árabes, mas somente nos limites da queda de ditaduras e da conquista da “democracia radical”.
A posição da LIT-QI é que, nessa região,  estão havendo revoluções e que estas têm um conteúdo e um curso objetivamente socialista (porque enfrentam governos e regimes que defendem Estados capitalistas), apesar de começarem basicamente por problemas democráticos e o elemento socialista continuar sendo inconsciente.
Apoiamos essas revoluções de forma incondicional e estamos na primeira linha da luta pela queda dos ditadores e pela conquista de amplas liberdades democráticas para os povos. Encaramos esta luta com a estratégia de que a ação revolucionária das massas não se detenha nesse ponto de partida e continue avançando até o socialismo em toda a região, como parte da revolução socialista mundial.

Inverno árabe?
Não são poucos os que afirmam que a revolução retrocedeu ou se desviou. Para a LIT-QI, isso é falso. Nem a revolução foi derrotada nem o imperialismo conseguiu estabilizar a região, apesar de seus claros esforços e de toda a ajuda que as direções burguesas, como a Irmandade Muçulmana e as direções síria e líbia, prestam neste sentido.
Ao contrário, é correto afirmar que a revolução continua avançando e golpeando a dominação capitalista e imperialista.

Síria: uma guerra civil em curso
Atualmente, o ponto mais alto do processo revolucionário encontra-se na Síria. Neste país, o povo se armou para derrubar a sanguinária ditadura de Bashar Al Assad.
Após meses de combates e mais de 70 mil mortos, os rebeldes libertaram e por enquanto, controlam amplas zonas nas imediações de Alepo (centro econômico da Síria) e muitas outras regiões do país. Os avanços militares dos rebeldes se dão em meio a uma situação econômica cada vez mais insustentável para Al Assad. Apesar disso, o ditador mantém a sua superioridade militar, especialmente aérea e blindada.
Todos esses elementos, apesar do heroísmo das massas, impedem um avanço decisivo da revolução e configuram uma situação na qual o fim da guerra civil se mostra longínquo e incerto.
A LIT-QI apoia incondicionalmente a luta armada do povo sírio, seja dirigida politicamente por quem for, pois seu triunfo será o triunfo de todos os povos do mundo e gerará melhores condições para que a revolução triunfe e avance em toda a região.

Egito: “O povo quer a queda do regime!”
Milhares de trabalhadores e jovens egípcios continuam nas ruas exigindo do atual governo da Irmandade Muçulmana, presidido por Mohamed Morsi, que cumpra as demandas democráticas e econômicas ainda não atendidas desde que derrubaram o ditador Mubarak, em fevereiro de 2011.
O governo de Morsi, junto com a cúpula militar, responde a essas mobilizações com uma brutal repressão e um maior endurecimento do regime.
A revolução conquistou seu primeiro e importantíssimo triunfo ao derrubar Mubarak. No entanto, a queda do ditador não representou a queda do regime político, que continua assentado na preeminência e nos enormes privilégios econômicos da alta cúpula militar, que é financiada diretamente pelo imperialismo.  
Obviamente, a situação geral é muito diferente da era de Mubarak. Em consequência dos golpes da revolução, o regime teve que se adequar ao processo revolucionário em curso e modificar algumas coisas para manter o todo. Existem muitos novos partidos e novas organizações, sindicatos e um clima de mobilização permanente. Para o regime também não é tão fácil reprimir abertamente como antes. Apesar disso, a essência do regime (bonapartista, repressor e submisso ao imperialismo) permanece intacta.
Uma análise superficial pode dar a impressão, equivocada, de que o regime é outro, como inclusive a LIT-QI caracterizou durante muitos meses, mas que, após estudar melhor a realidade e os novos fatos, pudemos corrigir e precisar.
Porém, nada está definido. O povo explorado, que derrubou Mubarak, não se conforma e continua lutando por mais conquistas. A diferença é que as atuais mobilizações se dirigem contra a Irmandade e isso abre espaço para uma experiência com este partido e para construir uma alternativa revolucionária.

Líbia: a reconstrução do Estado burguês avança
Na Líbia, as massas, com sua mobilização revolucionária e luta armada, derrubaram o regime ditatorial e pró-imperialista de Kadafi. Obtiveram, assim, uma enorme vitória e protagonizaram uma revolução política democrática triunfante.
O caso líbio foi claramente uma revolução de fevereiro (ou socialista inconsciente), mas muito profunda, pois as massas, com sua ação revolucionária, destruíram o pilar fundamental do regime e do próprio Estado burguês, as Forças Armadas.
A força do processo obrigou o imperialismo a intervir, sobretudo quando viram que Kadafi já era incapaz de conter e derrotar a revolução. Os Estados Unidos e o imperialismo europeu, por meio da ONU e da OTAN, realizaram uma intervenção militar para derrubar Kadafi que, por falta de condições políticas, limitou-se a ataques aéreos. Assim, conseguiram se relocalizar e ter melhores condições para derrotar a revolução popular.
Ao mesmo tempo, o imperialismo incentivou e fortaleceu uma alternativa de poder por meio do então Conselho Nacional de Transição (CNT) e traçou o claro objetivo de reconstruir o mais rápido possível as novas Forças Armadas (cooptando ou desarmando as milícias) e o Estado burguês propriamente dito, tarefa na qual estão avançando devido à falta de uma direção revolucionária.

A política do imperialismo
O imperialismo vale-se de diversas tática para derrotar as revoluções árabes, que variam de acordo com a situação de cada país.
Perante a mobilização das massas, sua primeira reação foi, invariavelmente, defender o máximo possível os ditadores ou as monarquias que sempre lhe foram servis.
Somente quando este apoio se tornou insustentável é que Washington passou a defender a saída de alguns de seus antigos aliados, como Mubarak, Kadafi e agora Al Assad.
Nos países onde o povo tomou as armas, o imperialismo bem que gostaria de intervir com suas tropas para esmagar a revolução, mas não tem as condições políticas para isso, fundamentalmente em razão de sua histórica derrota no Iraque e no Afeganistão, cujo impacto negativo permanece na própria população norte-americana.
Outra arma importante para derrotar as revoluções é a convocação de eleições de todo tipo, aproveitando as aspirações e as ilusões democráticas das massas.
Entretanto, apesar dos relativos êxitos, ainda está distante de se concretizar o desejo imperialista de derrotar a revolução e estabilizar a região. O imperialismo norte-americano, o europeu e seus fantoches, as burguesias árabes, ainda têm e terão que enfrentar a ação das massas que, além de questionar as ditaduras, possuem uma consciência e um ódio anti-imperialista que não se atenuou.

Perspectivas
Para a LIT-QI, a onda de revoluções árabes é um único processo, permanente e parte desse todo que é a revolução socialista mundial.
Ao ódio contra as ditaduras brutais e entreguistas soma-se o permanente sentimento antiimperialista na região, que se estende ao Estado nazista-sionista de Israel, um enclave militar-político do imperialismo com um histórico de agressões e usurpação de territórios dos povos árabes, principalmente do povo palestino.
De fato, assistimos a uma reativação da luta palestina por sua libertação. Isso foi demonstrado pela heróica resistência do povo palestino à última agressão sionista à Faixa de Gaza, que terminou com um cessar-fogo que significou, na prática, um retrocesso de Israel e, de forma distorcida, a aceitação da Palestina como “Estado observador não membro” da ONU, em novembro de 2012.
Por outro lado, os problemas estruturais que detonaram as revoluções na região não foram resolvidos.
Isso ocorre por causa da profunda crise econômica e social, que foi um elemento objetivo para detonar a onda de revoluções. Esta tendência continua, apesar da desigual melhora econômica na região. Mas não é possível prever estabilidade política: a crise econômica, social e política continuará, com desigualdades, mas continuará.

O problema da direção das massas
O principal elemento a favor do imperialismo e da contrarrevolução e o principal obstáculo para a revolução é a falta de uma direção revolucionária, operária, socialista e internacionalista para o processo.
Isto já está e continuará cobrando seu preço. Por isso, no calor da intervenção nos processos vivos das revoluções, não existe tarefa mais urgente e necessária que lutar para construir uma direção política revolucionária e internacionalista, que conduza cada confronto no âmbito de um programa consequentemente antiimperialista e anticapitalista, isto é, socialista revolucionário.

O programa e as tarefas da revolução
Nos países onde as ditaduras ou as monarquias reacionárias não foram derrubadas, como na Síria, Arábia Saudita, Irã e Bahrein, é necessário que o ponto de partida do programa revolucionário seja a queda desses regimes e a conquista de amplas liberdades democráticas, sempre como parte da luta pelo poder operário e socialista.
Naqueles países onde os governos e regimes totalitários já foram derrubados, como na Líbia e na Tunísia (neste país também continuam as contradições e as mobilizações e greves), é necessária uma política de reorganização do movimento operário e de massas a partir de um programa que se enfrente aos novos governos e regimes democrático-burgueses, também com a perspectiva socialista.  
Em cada país, a partir de sua realidade concreta, é fundamental ordenar o programa em base às tarefas colocadas e ao nível de consciência para mobilizar as massas e, a partir desta mobilização, encontrar e levantar palavras de ordem que a conduzam até a tomada do poder pela classe operária e pelo povo.
É necessário um programa que avance bem mais além das quedas das ditaduras – passo fundamental, mas parcial– ou das explosões espontâneas, como as que ocorreram contra as embaixadas norte-americanas.

Um programa que parta das aspirações democráticas, como a punição dos crimes dos ditadores e dos funcionários dos regimes ditatoriais, pelo confisco de todas as suas fortunas, pela convocação de Assembleias Constituintes livres e soberanas que garantam a ruptura e a anulação de todos os contratos de petróleo e comerciais com o imperialismo e suas empresas, além de estabelecer o não pagamento da dívida externa.

Ao mesmo tempo, é necessário explicar pacientemente que essas Assembleias Constituintes, para serem realmente livres e soberanas, deverão ser convocadas por governos operários, camponeses e populares, pois só este governo poderá levar até o fim a concretização das tarefas democráticas e colocar a rica economia desses países a serviço de sua população pobre e dos povos do mundo, expropriando e nacionalizando as terras, os bancos e todas as empresas petrolíferas e estratégicas que estão nas mãos do imperialismo ou das burguesias nacionais.

A grande tarefa é responder programática e politicamente aos problemas e demandas democráticas sentidos pelas massas e mobilizar até a tomada do poder pelas classes trabalhadoras e exploradas, construindo governos apoiados nas organizações operárias e populares, sem patrões e sem o imperialismo e seus agentes. Para avançar na revolução socialista mundial e defender-se da contrarrevolução, estes novos governos e Estados operários deverão se unir na futura Federação de Repúblicas Socialistas Árabes.

Post author Ronald León Núñez, da LIT-QI
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