Frida Pascio Monteiro, de Fernandópolis (SP)

“Desvelando a Transexualidade” é uma série de artigos sobre transexualidade nos mais variados aspectos. Este é o sexto artigo

Leia o 1º artigo: Recortes, conceitos e diferenciação entre as travestis e as mulheres transexuais

Leia o 2º artigo: A transexualidade aos olhos da Medicina e da Psiquiatria

Leia o 3º artigo: Retificação do nome e direito ao nome social

Leia o 4º artigo: A transfobia mata

Leia o 5º artigo: Leia o 5º artigo: Desvelando a Transexualidade: Capitalismo, mercado de trabalho e da prostituição

Suicídio de pessoas trans: assassinatos cometidos pela sociedade transfóbica
Segundo pesquisa realizada pelo Centro Nacional pela Igualdade dos Transgêneros, em que 17.715 pessoas trans foram entrevistadas, constatou-se que: 14% das/os transexuais foram enviados a um profissional, após revelarem sua identidade de gênero à família, com a intenção de impedi-las/los de passarem pela transição; 10% sofreram violência de algum membro da família; 8% foram expulsos de casa devido à sua identidade de gênero; a taxa de desemprego das pessoas trans é de 15% e um terço disse estar vivendo na pobreza – o dobro da taxa da população norte-americana em geral, 40% das/os transexuais já tentaram o suicídio em algum momento de suas vidas. Em outra pesquisa, feita em Ontário, no Canadá, aponta-se que 35% das pessoas trans entrevistadas relataram ter pensado em suicídio em 2014 e 11% chegaram a tentar se matar.

Em 2006, o Departamento de Psiquiatria da Universidade Case Western Reserve, em Cleveland, Ohio, realizou um estudo clínico dos transtornos comórbidos dos últimos 10 pacientes entrevistados em sua Clínica de Identidade de Gênero. Constataram que “90% desses diversos pacientes tiveram pelo menos um outro tipo de psicopatologia (…) [como] problemas de humor, ansiedade e dificuldade em adaptar-se no mundo”.

A taxa de tentativas de suicídio registradas entre pessoas transgênero é pavorosa – acima de 40%. De acordo com o site Suicide.org, 90% de todos os suicídios são resultado de algum transtorno mental não tratado. Mais de 60% (e possivelmente mais de 90%, como mostrado pela Universidade Case Western Reserve) dos transgêneros têm transtornos psiquiátricos comórbidos, que frequentemente permanecem sem qualquer tipo de tratamento.

Um estudo de 2014 descobriu que 62,7% dos pacientes diagnosticados com disforia de gênero tinham pelo menos mais um outro transtorno e 33% tinham transtornos depressivos, vinculados à ideação suicida.

Um outro estudo de 2014 realizado em quatro países europeus apontou que quase 70% dos participantes tinham um ou mais transtornos do Eixo I, sobretudo transtornos afetivos e de ansiedade.

O suicídio da população trans é motivado pelo Estado; pela política, que não contempla esta população; pela sociedade transfóbica que faz com que queiram se matar; pelos inúmeros constrangimentos, humilhações, situações vexatórias, opressões; pela falta de apoio familiar para lidar com toda a transfobia vivida, já que muitas/os são expulsas/os de casa; pela ausência de amparo familiar, social, institucional; pela transfobia verbal, física, psicológica, institucional que atinge pessoas trans todos os dias.

A solução para prevenir suicídios entre travestis e transexuais seria dar mais respeito, dignidade, direitos, cidadania, humanidade à população trans e tratar os possíveis transtornos psiquiátricos decorrentes do abandono; dos maus-tratos; abusos; violências verbais, psicológicas, físicas e sexuais; em suma, da transfobia em si.

A quem pertencem as vidas trans?
A Escola/A Educação decidem se pessoas trans podem frequentar a escola ou não, se elas estudam ou não, se as aceitam ou se as expulsam.

O Estado e o Direito/Justiça mandam na vida de pessoas trans, na identidade delas, no nome delas, no gênero ao qual elas pertencem, em quem elas são.

O Estado, Medicina/Psiquiatria mandam na saúde mental, psicológica, emocional da população trans e sobre o que podem ou não fazer com seus corpos. Eles quem decidem: o aval é deles.

A Imprensa/A Mídia decidem se vão se referir às pessoas trans, após mortas, pelo nome com o qual se identificavam quando vivas ou pelo nome de registro civil não-retificado delas. Quase certeza que seriam veiculadas manchetes sensacionalistas, tais como: “Fulano, vulgo Dandara, que se vestia de mulher”, “O travesti”…

A Religião/Igreja decidem se pessoas trans podem ou não proferir e exercer a fé e/ou a espiritualidade delas, se são pecadoras ou não, se são aberrações ou não, se estão condenadas ou não. E tudo isso não tendo nada a ver com religião, mas sim, com Capital e Poder.

O SUS decide quem são ou não “transexuais de verdade” e que, portanto, podem fazer o tratamento hormonal e intervenções cirúrgicas em seus próprios corpos por se enquadrarem no protocolo transexualizador.

A Sociedade Cisheteronormativa/O Direito decidem se a população trans pode ou não fazer suas necessidades fisiológicas no banheiro do gênero com o qual se identificam.

A Sociedade Cisheteronormativa decide se a população trans terá emprego formal ou se terá de trabalhar em subempregos exploradores, desumanos, com horas-semanais absurdas de trabalhos, com precariedade, com remuneração incipiente. A Sociedade decide se a população trans terá ou não de se prostituir.

A Sociedade Cisheteronormativa decide se pessoas trans serão xingadas, humilhadas, espancadas, descartadas, violentadas de todas as formas possíveis, desumanizadas, estupradas e/ou assassinadas.

Após a morte, A Sociedade Cisheteronormativa, O Direito/Justiça, A Família decidem se A travesti e a/o transexual poderão ou não ser enterrados com o nome condizente ao gênero com o qual se identificavam em vida. Se não tiverem feito a retificação do nome, quase certeza que serão enterradas/os com o nome de registro civil não-retificado.

A população trans é assassinada duas vezes: uma, literalmente, com requintes sádicos de tortura e crueldade; outra, metaforicamente, quanto às suas identidades, quanto a quem são.

Nós travestis, mulheres transexuais e homens transexuais não decidimos nada sobre nós e nossas próprias vidas. Para tudo precisamos do aval das Instituições de Poder para sermos minimamente legitimadas/os.

Vivemos como marionetes, com nossas vidas sendo decididas pelos outros. Vivemos como fantoches manipulados pelos fios invisíveis conduzidos pelas mãos do Direito/Justiça, da Escola/Educação, do Estado, da Imprensa/Mídia, da Medicina/Psiquiatria, da Religião/Igreja, do SUS/Protocolo Transexualizador, da Sociedade Cisheteronormativa, do Capital e do Poder.  Essa é a realidade das pessoas trans da classe trabalhadora, diferente daquelas que podem pagar pela sua segurança, liberdade, saúde e qualidade de vida.

Por tais razões que nós, que lutamos contra a exploração do Capital, dos corpos, contra a desumanização de seres humanos, contra as diversas opressões de classe; credo; racismo; machismo; misoginia; sexismo; homolesbobifobia; devemos também nos empenhar na luta contra a transfobia e trazer todas e todos aqueles que são oprimidas/os pelo Capitalismo e suas Instituições de Opressão.

Leia o 1º artigo: Recortes, conceitos e diferenciação entre as travestis e as mulheres transexuais

Leia o 2º artigo: A transexualidade aos olhos da Medicina e da Psiquiatria

Leia o 3º artigo: Retificação do nome e direito ao nome social

Leia o 4º artigo: A transfobia mata

Leia o 5º artigo: Leia o 5º artigo: Desvelando a Transexualidade: Capitalismo, mercado de trabalho e da prostituição

Frida Pascio Monteiro, ativista trans, mestranda em Educação Sexual e militante do PSTU de Fernandópolis (SP)