LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

Juan P. Ramos

Este é o ano em que se completa o centenário da Revolução Russa. Certamente muitas coisas mudaram desde aquela época. Mas, sem aprender com as experiências passadas, seria impossível pensar uma estratégia para as lutas do século XXI. Sendo assim, que lições podemos apreender da principal revolução do século passado?

As condições da Revolução
Em 1917 a Rússia era um país quebrado. O governo havia entrado na I Guerra Mundial, uma matança que custou a vida de dois milhões de russos. Os soldados não queriam ir para o front. A economia estava destruída. Até mesmo para comprar pão era necessário enfrentar longas filas, expondo-se a intempéries. A tensão era extrema e a Revolução explodiu por iniciativa da própria população. Não que essa população fosse muito “consciente politicamente”, mas a situação impunha à força uma mudança radical.

O capitalismo moderno encontra-se em crise. Durante os últimos anos a classe trabalhadora tem perdido direitos. A desigualdade aumenta e a precariedade se amplia. Fenômenos como Trump ou as guerras no Oriente Médio não anunciam um horizonte de estabilidade. Em médio prazo, caminhamos para um verdadeiro colapso sistêmico, produto do esgotamento dos recursos naturais e da destruição em grande escala da natureza. O fato de não termos visto revoluções na Europa Ocidental nos últimos anos não significa que nunca mais vão acontecer. O capitalismo global não caminha para uma época de progresso, mas sim de destruição. Inevitavelmente haverá resistências cada vez maiores.

O papel da classe operária
Durante a Revolução Russa a classe operária teve um papel dirigente. Foi o setor social que canalizou toda a frustração da sociedade, especialmente dos soldados e camponeses. Isto apesar de ser uma pequena minoria. Mas sua grande força residia em que tinha em suas mãos o funcionamento dos centros industriais dos quais depende a economia. E, sobretudo, por sua concentração social, seus movimentos políticos eram incisivos, iminentes e profundos. A revolução foi iniciada pelas operárias têxteis e se estendeu pelos bairros operários. Os sovietes operários eram os mais “vermelhos” e a tomada do poder moveu-se das capitais para as províncias.

Hoje em dia a classe operária mudou sua fisionomia, mas mantém os mesmos traços característicos. A economia depende dela: uma greve geral suficientemente profunda tem a capacidade de paralisar um país. Apesar de que muitos centros industriais foram movidos para outros países, o grau de “proletarização social” cresceu. Ou seja, a população assalariada agora é proporcionalmente maior do que antes. As cidades agrupam em maior grau a população trabalhadora, de maneira ainda mais concentrada.

O regime e a auto-organização
A Revolução Russa, depois de expulsar o Czar, inaugurou uma época em que duas formações políticas conviveram. O parlamento e seu governo por um lado, os sovietes (conselhos) por outro. Apesar de o parlamento ter dado um verdadeiro salto de participação popular após longa autocracia, não cumpriu todas as promessas de mudança. Sua legitimidade ia minguando. Os sovietes tinham um sistema de eleição direta de baixo pra cima, com diferentes candidaturas que tinham concorrência proporcional e os cargos eram revogáveis. A primeira época do governo soviético foi o período de maior democracia conhecida. Apenas após a ruptura com o parlamento e a chegada ao poder dos sovietes foi possível executar medidas sociais mais elementares e democráticas exigidas pela população.

De forma oposta, os políticos de hoje em dia são intocáveis. Podemos votar somente a cada quatro anos. E as eleições estão “marcadas”: os grandes partidos têm o apoio de grandes fortunas, enquanto que outras candidaturas não podem aparecer por mais de poucos segundos na televisão. A divisão de mandatos é deformada para enfraquecer a representação das zonas de grande concentração operária. Mesmo se um governo “de esquerda” fosse eleito, a legalidade institucional nos impediria de impor grandes mudanças. Tsipras na Grécia é o melhor exemplo de um governo “de esquerda” de mãos atadas.

Reforma ou revolução?
Diante da explosão da Revolução Russa, os “socialistas moderados” se comprometeram com a defesa do parlamento e seu governo. Para eles, tomar medidas “radicais” era impossível. Mas afinal o que havia de mais “radical” que suas próprias políticas? Enviar os soldados para uma verdadeira carnificina, deixar a população passar fome… E no fim, mesmo assim a reação tratou de dar um golpe militar. O partido bolchevique era minoritário, mas com militantes reconhecidos que tinham liderado muitas greves e lutas sob o czarismo e durante a Revolução de fevereiro. Ainda que a princípio fossem rechaçados, à medida que a população se frustrava com o governo, prestava mais atenção ao que Lenin e os outros bolcheviques diziam. Por fim, terminaram ganhando a maioria dos sovietes, sendo Trotsky eleito o presidente do soviete da capital.

Hoje em dia vemos como a esquerda centra sua atuação em ganhar parlamentares, aceitando as “regras do jogo”. Quando chegam a governar, suas promessas se dissolvem. Carmena chegou à prefeitura de Madrid com a remunicipalização dos serviços e o fim aos despejos como pautas centrais, mas hoje em dia não mudou muito a respeito. As organizações revolucionárias são hoje muito minoritárias, mas sendo vanguarda das lutas que se desenvolvem, terão oportunidades para crescer.

A Revolução já se mostrou impossível?
Sob o governo de Stalin, a União Soviética se converteu em uma ditadura ferrenha em que a desigualdade social voltou a crescer. Não é de estranhar que os burocratas acabaram por restaurar o capitalismo. Stalin e seu regime não foram a evolução “natural” da Revolução. Entre esses dois períodos existe um verdadeiro rio de sangue. Várias potências mundiais invadiram a Rússia, destruindo o sistema soviético nas zonas que conquistavam e afundando ainda mais a economia do país. Stalin também contribuiu ao exterminar os revolucionários que haviam encabeçado a Revolução. Os números são evidentes: dos 25 membros da direção dos bolcheviques, apenas 3 sobreviveram à guerra civil e aos expurgos de Stalin.

A história pode ser diferente. Se a Revolução tivesse conseguido se estender internacionalmente, teria compensado o isolamento econômico e os ataques militares que sofreu. Mas no resto dos países as revoluções foram derrotadas. No futuro, qualquer possível revolução certamente sofrerá os mesmos ataques. Por isso é vital nos organizarmos em uma Internacional revolucionária que atue em todos os continentes. No mundo global atual, as sacudidas revolucionárias vão se espalhar como fogo em um pavio. A “Primavera Árabe” é um exemplo recente disso.

Cem anos após a Revolução Russa, pensamos que a estratégia revolucionária permanece vigente. As revoluções futuras não serão iguais às passadas, com certeza. Mas estudar os bolcheviques é uma necessidade para construir a Revolução no século XXI.

Tradução: Mandi Coelho