Virada Cultural de 2016
Redação

De uns tempos para cá parece que todo debate no Brasil está maculado pela falsa polêmica do antes ou depois do PT (falsa porque os projetos do PT há muito não se diferenciam de quaisquer outros partidos e muito menos dos projetos do PSDB, inclusive os artísticos).

A Virada Cultural não foge à regra.  Foi criada em novembro de 2007 em plena gestão municipal do tucano José Serra na cidade da garoa (e foi tão bem recebida pelo tucanato que o governador Alckmin, que não nutre simpatia por Serra, a estendeu a macrorregiões do Estado de São Paulo).

Este início e críticas foram esquecidos, já que àquela época, petistas contumazes bradavam que se tratava de um grande engodo para disfarçar a ausência de uma política pública madura com repasse de verbas para os mais variados segmentos que estão sob o chapéu da Cultura ou já amparados pela Secretaria Municipal.

Afirmação essa que, ponderações aqui e acolá, pode ser considerada correta. Até porque criar um calendário supimpa com 24h de programação com shows de artistas renomados, alguns resgatados do ostracismo vil da indústria cultural e outros honrados desconhecidos (poucos, parece que foi aumentando a cada edição por pressão dos movimentos culturais autônomos) provou ser uma fórmula acertada na perspectiva de outra indústria, a do turismo.

Mas culturalmente mesmo o que foi que trouxe? E nos outros 363 dias do ano? É verdade, os Centros Educacionais Unificados (CEU´s, estes criados na gestão Marta Suplicy e ainda com os melhores teatros e que incorporaram a função de cineclubes sob a batuta de Haddad) podem e funcionam para a efervescência cultural que existe, mas que necessita de: investimento, coordenação, divulgação e continuidade. De cursos de formação: musicais, cênicos, circenses, plásticos etc. com viés público e de emancipação humana. Não machista, não sexista, não racista, não lgbtfóbico.

Alguns incautos gostam de creditar ao evento a capacidade de criar um suposto pertencimento do povo (sabe-se lá o que isto significa na visão da classe média) à região central da cidade, onde a maior parte das edições ocorreu desde o início exclusivamente e depois da quinta edição, ainda, majoritariamente. Um mero fetiche. A sensação de pertencimento é comparativamente tão inebriante quanto dizer que a ciclofaixa do petista Fernando Haddad resolveu ou amenizou o problema do transporte público de massa. Em outras palavras: uma falácia harmônica apenas para os idealistas com seus sonhos coloridos.

Aliás, nada mais que uma ida até o Parque Dom Pedro para se dar conta do povo em pleno “exercício de pertencimento”. Ali tem-se a noção exata do pertencimento artificial… a cara da classe média e da burguesia brasileira, que cismam em romantizar a barbárie, a pobreza e a falta de organização planejada para gerar: terceirização, privatização, licitação fraudulenta e superfaturada, para citar alguns pontos de contato com seu coirmão PSDB.

Não há bebedouros públicos ou sanitários suficientes. Não há dignidade para se atrair a multidão que começou a se deslocar a partir da segunda edição ultrapassando a marca do primeiro milhão e assim sucessivamente até o recorde de 4,5 milhões de pessoas no primeiro ano do governo Haddad (2013) com os óbvios problemas de roubos numa concentração desta ordem.

Geralmente em todas as edições, nas periferias, não há uma preocupação em “arriscar” ou construir público. Há exceções, mas estão exatamente como exceções.

Então, para o que serviu até agora e o mais importante: o que evidencia a Virada Cultural de São Paulo? Serviu para animar a claque que governou a cidade de São Paulo e um pouco da alma paulistana e brasileira (depois do crescimento da venda de pacotes turísticos para outros estados do final de semana do evento) desde aquele fatídico 2007 tão carente de cultura e lazer; porém, estanque para impulsionar a pluralidade e a qualidade não-comercial de: espetáculos, saraus, shows fora do circuito underground quase-comercial, com grupos de: rap, hip hop que já ganharam notoriedade e se perderam da proposta inicial.

Houve apresentações maravilhosas, sim, mas capitaneadas para o lugar-comum do pão e do circo e não da construção de políticas públicas consistentes e que devem seguir independentemente de governos e coalizões. As audiências públicas definidoras tímidas, apenas para conferir legitimidade, não conseguem mudar o rumo do orçamento público. Isso é o que importa. Mudar o rumo do orçamento público a partir da demanda popular com debate, na cultura e em outros setores.

Não se trata de uma questão somente de levar a periferia ao centro. É preciso “apenas” acabar com a miséria. Assim não haverá nem centro nem periferia; apenas arte.

A Virada Cultural enfatiza e não descentraliza. Mudar para Interlagos nem de longe é o pior. Trata-se de um bode. O problema continua sendo o tamanho da sala.

Flor de Lis, de São Paulo (SP)