Cena do filme Reds (1981), mostrando o uso dos trens para agitação e propaganda.

Quando os bolcheviques chegaram ao poder se depararam com a grande dificuldade de comunicar a toda a população da Rússia o surgimento do novo governo. Em um imenso território e sem grandes meios de comunicação, a situação do país não os ajudava. A saída encontrada pelos bolcheviques foi o uso das linhas de trem como forma de integração das tarefas do novo governo revolucionário. Entre esses usos, estão os trens de agitação e propaganda, levando panfletos, jornais, teatro e cinema por toda a Rússia.

O “Trem revolucionário da cultura”

A Rússia em 1917

Em outubro de 1917, na Rússia já era o país com maior extensão territorial do mundo. Ela possuía cerca de 150 milhões de habitantes, sendo que 90% vivia no campo. A maioria esmagadora dessa população ainda era analfabeta. A industrialização era incipiente e a eletrificação não tinha ido além dos grandes centros industriais. Isso significa que ainda não se podia contar com uso de meios como rádio ou o telégrafo para isso.

Além disso, não se tratava apenas de comunicar a instauração do novo governo. A Rússia participava da Primeira Guerra Mundial, que só terminaria em novembro de 1918. No mesmo ano, explode a Guerra Civil Russa, quando as forças contra-revolucionárias organizam o chamado Exército Branco para combater com armas o governo revolucionário. O conflito duraria até 1922. Era preciso levar, mas também trazer informações do front até os centros políticos, distribuir materiais de agitação e propaganda e mobilizar a população contra a as forças contra-revolucionárias.

O trem blindado que posteriormente seria batizado como V. I. Lenin

A propaganda sobre os trilhos

É então, em 1918, o Congresso de Soviets de Toda a Rússia aprova o uso dos trens para fins dedicados de agitação e propaganda. A medida consistia em transformar trens inteiros em verdadeiros aparatos do governo revolucionário. Eles transportavam panfletos, folhetos, cartazes e jornais de todos os tipos e vagões foram convertidos em bibliotecas. Outros vagões transportavam gramofones (toca-discos) ou eram equipados com projetores, funcionando como uma espécie de cinema móvel. Foram nesses vagões que boa parte da população russa teve sua primeira experiência com o cinema.

Em seus passageiros, estavam propagandistas, palestrantes e trupes de teatro,que fazia de suas artes propaganda revolucionária. Importantes artistas da Rússia, como o poeta Mayakóvsky, os pintores El Lissitsky e Kazimir Malevich, os cineastas Dziga Vertov e Alexandre Medvedkine também aderiram ao uso dos trens. Por fora, os vagões eram todos pintados por esses artistas, convertidos em grandes peças móveis de propaganda.

Os trens eram pintados e transformados em peças de propaganda.

Sucesso da experiência

Inicialmente, a proposta de uso de trens para fins dedicados de agitação e propaganda serviria apenas para um único blindado que, posteriormente, seria nomeado como V. I. Lenin. Entretanto, o sucesso da política foi tamanho que o governo bolchevique determinou a criação de outros quatro trens de agitação e propaganda. Além do V.I. Lenin, passaram a ser usados os trens Leste Vermelho, Cossaco Vermelho, Cáucaso Soviético  e o Revolução de Outubro.

Além disso a experiência ainda foi repetida em barcos e também em caminhões. Nesse último caso, com destaque para seu uso associado a apresentações de teatro. No entanto, essas outras experiências não chegaram a se equiparar ao uso dos trens.

Cena capturada pelo cineasta Dziga Vertov. Soldados e camponeses reunidos entorno de um gramofone (1921).

Órgãos oficiais

Os trens de agitação e propaganda não só levavam materiais para o front russo. Eles também recolhiam informações sobre a Rússia para o governo bolchevique. Alguns de seus vagões eram transformados em verdadeiros espaços oficiais do governo. Para se ter uma ideia, Leon Trotsky, que era chefe do Exército Vermelho, montou seu escritório oficial em um vagão blindado para poder viajar de um entreposto a outro durante a guerra.

Para cada veículo foi designado um comissário político responsável. Geralmente, nomes do alto escalão do governo eram escolhidos. O trem Revolução de Outubro tinha como comissário Mikhail Kalinin, chefe de Estado da e presidente do Soviet Supremo da URSS. Também viajava nesse trem Anatoly Lunacharsky, Comissário do Povo para Educação.

Já o barco a vapor Estrela Vermelha tinha à sua frente Vyacheslav Molotov. E entre seus tripulantes estavam Nadezhda Krupskaya, figura também importante do Comissariado do Povo para Educação e esposa de Lenin.

Sessão de cinema no interior de um trem.

As lições dos trens de agitação

Até hoje, as organizações de esquerda costumam usar a definição de agitação e propaganda elaborada por Plekhanov: “poucas ideias para muitos, muitas ideias para poucos”, respectivamente. Afinal, foi também a definição usada por Lenin e tantos outros marxistas. O exemplo prático dos bolcheviques, no entanto, mostra o quão complexas e importantes são a agitação e a propaganda.

Os gregos antigos tinham uma concepção bem ampla sobre o que era a comunicação. Para eles, estavam incluídas aí as estradas, por exemplo. Por isso se referiam a Hermes como patrono das comunicações mas também dos viajantes. Para os gregos, uma coisa não existia sem a outra.

A experiência soviética vai nesse sentido. A situação adversa em um cenário de guerra, com uma grande população rural e analfabeta, obrigou os bolcheviques a entenderem isso na prática. Não bastava os melhores materiais. Um jornal não se faz só com boas matérias. Era preciso fazê-los chegar até o povo no momento certo. Não era possível esperar. No contexto revolucionário, a distribuição era tão importante quanto a produção dos materiais. Assim, artistas e grandes líderes bolcheviques embarcaram para fazer agitação e propaganda do governo revolucionário em todos os cantos do vasto país.

Os trens ainda foram usados durante a Nova Política Econômica (NEP) e durante a Segunda Guerra Mundial, quando deixaram de ser usados. Não é possível afirmar, mas muito provavelmente por já se poder contar uma infraestrutura já bem desenvolvida e com meios de comunicação mais eficientes, como o rádio.