Chacina gerou revolta na população

Evidências apontam que crimes podem ter sido cometidos por policiais militares

Doze pessoas foram assassinadas num intervalo de menos de três horas, entre a noite de domingo, 12, e a madrugada de segunda-feira na região do Ouro Verde, uma das regiões mais populosas da periferia de Campinas (SP). Horas depois, um grupo de cerca de 40 pessoas, revoltadas com a chacina, incendiou ao menos três ônibus e um automóvel, além de depredar vários outros ônibus.
 
Os homicídios ocorreram em bairros próximos uns dos outros (Recanto do Sol II, Cosmos, Parque Universitário, Vida Nova e Vista Alegre) e tiveram características semelhantes. Os atiradores encapuzados chegavam em dois carros, cujos modelos foram identificados, abordavam as vítimas e as atingiam com vários tiros frontais de pistolas na cabeça e no tórax.
 
Os mortos eram homens entre 17 e 30 anos, e com eles não foram encontradas armas nem drogas. A reacionária imprensa campineira deu ênfase ao fato de seis deles terem antecedentes policiais, esquecendo-se de que os demais não tinham qualquer passagem pela polícia, e que os assassinatos tinham características claras de execução. 
 
A Polícia Civil não descarta a ação de policiais militares, por vingança a um PM morto em um posto de gasolina da região durante um roubo. Ele estava de folga e tentou impedir o roubo. Na briga com um dos ladrões, foi baleado e morto.
 
O currículo recente da PM confirmaria esta hipótese
Além das coincidências apontadas pela polícia civil, que apontariam para ação de policiais militares (a vingança, o uso de botas militares, o assassinato aleatório de pessoas sem passagem pela polícia), as recentes ações da PM pelo Brasil dão um quadro aterrador da limpeza social e étnica efetuada pela polícia e reforça esta hipótese, pois este é apenas mais um dos inúmeros casos de assassinatos na periferia das grandes cidades brasileiras que atingem em geral jovens, negros e pobres. Um breve levantamento no site do PSTU mostra isso:
 
Maio de 2012. Durante a noite, um helicóptero da PM, perseguindo um traficante, metralhou nove quarteirões do bairro de Senador Camará, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Um cenário de guerra foi criado em um trecho de um quilômetro. Uma cena impossível em qualquer bairro rico e branco da cidade. Ninguém foi punido. Afinal, os mortos eram pobres e pretos.
 
Julho de 2013. O pedreiro Amarildo de Souza desaparece após ser abordado pela polícia do Rio na favela do Rocinha onde ele morava. Após uma campanha que alcançou vários países a superintendência da polícia confirma que ele foi morto pela polícia.
 
27 de outubro de 2013. Dois adolescentes caminham nas ruas pobres de Vila Medeiros, Zona Norte de São Paulo. Douglas, 17 anos, estudante do ensino médio, chapeiro em uma lanchonete, e seu irmão de 13 anos. Um carro de polícia se aproxima e sem que fosse feita qualquer pergunta, o policial disparou no peito de Douglas. O garoto ainda perguntou antes de morrer: “Por que o senhor atirou em mim?”.
 
21 de novembro. Willian Ferreira Sabin, de apenas 24 anos, foi assassinado por um PM a paisana no bairro Jardim Paraíso, periferia de Guarulhos. Willian participava de um churrasco com os seus amigos, quando o PM passou com o carro em alta velocidade. Após uma discussão o PM atirou em Willian e Felipe Requiena, de 22 anos. Willian morreu na hora e Felipe foi internado no Hospital Geral de Guarulhos, com uma bala alojada na coluna.
 
Setembro de 2013, o jovem Richard David foi assassinado pela PM de São José. Richard, que já era pai, fazia grafites e queria estudar e aperfeiçoar seu talento.
 
O resultado de todas estas ações criminosas pelas forças da lei é sempre o mesmo: os crimes da PM são julgados pela Justiça Militar, onde a impunidade é assegurada. Os assassinatos são invariavelmente julgados como “resistência seguida de morte”. Os mortos são sempre os culpados.
 
Estes são apenas alguns exemplos entre milhares de outros que, infelizmente, ocorrem todos os dias no país.
 
O genocídio de negros e pobres pela polícia é uma epidemia
Dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade (53,3%) dos mortos por homicídios em 2010 no Brasil eram jovens, dos quais 76,6% negros. Existe um verdadeiro genocídio policial contra a juventude negra. Para os que duvidam do termo genocídio, é bom lembrar que, entre 2002 e 2010, foram registrados 272.422 assassinatos de negros. Mais do que em muitas guerras.
 
Segundo estudos do governo, pelo menos cinco pessoas morrem no Brasil por dia, vítimas de confrontos com policiais civis ou militares, uma média que se mantém quase a mesma desde o ano 2000.
 
Mas não é “apenas” genocídio, este se transformou em epidemia, isto é, numa situação de mortes crescentes pela mesma causa. Em geral se considera uma epidemia quando ocorrem 10 mortes para 100 mil habitantes. As taxas de homicídio de jovens negros, em 100 municípios com mais de 50 mil habitantes, apresentam um índice maior que 100 assassinatos a cada 100 mil, dez vezes mais que as situações consideradas epidêmicas.
 
Histórico de chacinas mostra ações semelhantes
Se não bastassem os fatos recentes, entre as maiores chacinas ocorridas no Brasil algumas mostram motivações e ações semelhantes à ocorrida em Campinas, que entra para este triste recorde.
 
Em 29 de junho de 2009, cinco pessoas foram mortas na favela do Barbante (Inhoaíba, RJ) por membros da Liga da Justiça, formada por policiais, em retaliação ao testemunho de um parente das vítimas contra o grupo, que tinha executado outras sete pessoas no ano anterior.
 
Em 30 de março de 2005, uma chacina que começou em Nova Iguaçu e terminou em Queimados, na Baixada Fluminense, deixou 30 mortos. OS atiradores desceram de um carro e atiraram sem alvo definido, em crianças, adolescentes, mulheres e homens. 11 policiais foram acusados e presos.
 
O massacre de Vigário Geral (RJ) é um dos mais brutais acontecimentos desse tipo. Na madrugada de 29 de agosto de 1993, cerca de 50 homens arrombaram casas na favela de Vigário geral e executaram os moradores, deixando 21 mortos. O grupo de extermínio, formado por policiais militares, executou os moradores em represália à morte de 4 policiais na região. Nenhum dos mortos tinha envolvimento com o crime.
 
Um mês antes ocorre outra execução horrenda no centro do Rio. Oito jovens, com idades entre 11 e 19 anos, dormiam na Praça da Igreja Candelária quando foram executados a tiros por homens que chegaram em dois carros. Um dos motivos apontados é a vingança pelo apedrejamento de uma viatura da PM por meninos de rua um dia antes.
 
Pela desmilitarização da polícia e fim da PM
Independentemente da autoria de mais essa chacina, embora tudo aponte para policiais militares, uma coisa é clara, recentemente uma pesquisa divulgada na imprensa mostrou que 70% dos brasileiros não confiam na polícia.
 
A impunidade, o abuso de poder, a falta de trato com a população, violência indiscriminada, corrupção, injustiça e assassinatos; todos são motivos mais do que corretos para se exigir o fim da estrutura militar da polícia no país, uma herança maldita da época da ditadura militar (antes do golpe militar de 1964 não havia polícia militar no Brasil). E o fim da própria PM, com a construção de forças de segurança controladas pela população, com eleição de seus chefes, o direito de sindicalização e de greve dos policiais e o fim da hierarquia vertical ditatorial imposta por cima, entre outros pontos.