Ato reuniu 10 centrais e marcou importância da luta operária contra a ditadura cívico-militar

O primeiro ato público de memória do cinquentenário do golpe cívico-militar que instaurou a ditadura no Brasil ocorreu nesse 1º  de fevereiro. Organizado pelo Coletivo Sindical do Grupo de Trabalho ‘Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical’, da Comissão Nacional da Verdade, o ato foi marcado por um duplo significado: além de resgatar o papel da classe operária na luta contra o regime de exceção, foi realizado na região que assistiu ao mais impressionante ascenso operário no país e onde o regime militar começou a ruir, em São Bernado do Campo. O teatro Cacilda Becker ficou pequeno para as cerca de 500 pessoas que participaram do ato.

O “Ato Sindical Unitário – Unidos, Jamais Vencidos”, foi organizado pela CSP-Conlutas, CUT, Força Sindical, CTB, CGTB, CSB, Intersindical (as duas), NCST e UGT, além de importantes figuras que trabalham para a investigação e punição dos crimes perpetrados durante a ditadura, como o deputado estadual Adriano Diogo (PT) e Rosa Cardoso, da Comissão Nacional da Verdade. Uma comissão dos perseguidos da ex-Convergência Socialista, organização antecessora do PSTU, também marcou presença no ato.

Unidade
Próprio de um ato unitário que reuniu uma ampla gama de forças e tendências políticas, seria impossível que não se expressassem políticas diversas e, em alguns aspectos, até mesmo antagônicas. A maioria das falas, porém, enfatizou a necessidade da investigação a fundo dos crimes da ditadura e da punição exemplar aos assassinos e torturadores, assim como a reparação aos perseguidos.

Estávamos todos juntos na luta contra a ditadura, agora precisamos nos unir novamente para exigirmos punição aos torturadores“, afirmou Adriano Diogo. “Cinquenta anos se passaram, mas as sequelas deixadas pela ditadura não estão apenas na memória“, denunciou Luiz Carlos Prates, o Mancha, representante da CSP-Conlutas e da comissão dos perseguidos da ex-Convergência. “Parte da estrutura da ditadura segue intacta, como na Lei de Segurança Nacional que até hoje é utilizada para criminalizar as manifestações“, relembrou, denunciando ainda a tortura que continua sendo prática nas delegacias da Polícia Militar, herança direta daqueles tempos.

Mas, infelizmente, não são apenas resquícios, a presidente Dilma aprovou uma lei de organizações criminosas que autoriza a infiltração de agentes nas organizações e movimentos sociais, o que nem a ditadura fez“, disse ainda Mancha, relembrando que Dilma também autorizou recentemente a utilização do próprio Exército na repressão às manifestações populares. “Nossa luta não termina com a punição dos crimes da ditadura, precisamos de uma sociedade livre, justa e igualitária, mas precisamos de liberdade para lutar por ela“, disse.

Foram apresentados durante o ato vídeos com depoimentos de ativistas perseguidos, incluindo um relato emocionado do dirigente do PSTU, Zé Maria, sobre sua prisão em 1977, na qual foi, junto com outros militantes como Celso Bambrila, barbaramente torturado nos porões do DOPS. Zé Maria foi também um dos mais de 400 ativistas que receberam uma homenagem especial da organização do ato.

Empresas cúmplices da ditadura
Um dos pontos mais reforçados pelos oradores foi a necessidade de aprofundar a investigação, e a consequente punição não só dos torturadores, mas das empresas que atuaram em conjunto com a ditadura. “O golpe não foi só militar, mas civil-militar, não fossem as multinacionais que se beneficiaram da ditadura e a apoiaram, ela não teria durado tanto tempo que durou“, disse Adriano Diogo.

O dirigente da CTB, João Batista Lemos, então militante metalúrgico na região do ABC na época da ditadura, relatou seu espanto ao consultar os arquivos do DOPS e encontrar relatórios detalhados com dados pessoais. “A Volks entregou a lista de nomes e endereços para a repressão“, denunciou. “Algumas empresas de São Bernardo transformaram-se em verdadeiros quartéis”, lembrou Djalma Bom, ativista histórico das greves do ABC. “A Mercedez-Bens, por exemplo, tinha como chefe de segurança um major do Exército”, disse.

As empresas que colaboraram para o golpe, como a Monark, a Volks, GM, e tantas outras, não pagaram nada pelo seu apoio à ditadura”, denunciou Mancha, defendendo que essas empresas “sejam investigadas e colocadas nos bancos dos reus para que sejam punidas e que reparem também os trabalhadores que perseguiram“.

 

50 anos do golpe, 50 anos de impunidade
O ato das centrais marca a primeira atividade de uma série que pretende resgatar a memória do golpe e dos crimes da ditadura. Em 31 de março de 1964 (ou 1º de abril para ser mais exato), uma articulação do imperialismo norte-americano, grandes transnacionais e setores políticos conservadores, depuseram o então presidente João Goulart e instaurou uma ditadura que duraria 21 anos.  A classe operária foi a mais golpeada, tendo centenas de dirigentes perseguidos, cassados e presos. Milhares de ativistas foram presos e torturadores e centenas morreram nos cárceres. Um período de crimes bárbaros que, cinco décadas depois, continuam impunes. A Comissão da Verdade é um avanço, mas absolutamente insuficiente, sem poder para determinar a punição desses crimes.

É necessário ampliar essa campanha pela punição dos assassinos e torturadores do regime militar, assim como das empresas que apoiaram e se beneficiaram dela. Isso só vai ocorrer, porém, se houver uma verdadeira mobilização. Para isso, é fundamental que os movimentos sociais se envolvam, levando a campanha para as fábricas, escolas, etc.

Criminalização
Mas não é só isso. Passados cinquenta anos, convivemos com reflexos da ditadura que permanecem vivos no cotidiano, principalmente do povo pobre. Torturas e execuções são rotina dos jovens negros da periferia, que sofrem nas mãos da Polícia Militar, um entulho autoritário daqueles tempos. Além disso, o governo Dilma, ela mesma presa e torturada naqueles tempos, empreende hoje um processo de criminalização dos movimentos sociais, fazendo que, hoje, em pleno Século XXI, haja centenas de ativistas indiciados simplesmente por participarem de manifestações públicas.

É preciso exigir do governo Dilma uma investigação profunda dos crimes da ditadura, começando por abrir todos os arquivos secretos daquele período. O Brasil é um dos países mais atrasados nisso. Precisamos exigir ainda a punição e a prisão dos torturadores e assassinos, assim como punição das empresas que ajudaram e colaboraram ativamente para o regime.