Depois de um dia de muita tensão, o Bloco de Lutas pelo Transporte 100% Público, que ocupa a Câmara de Vereadores de Porto Alegre desde o dia 10, teve uma importante vitória: a suspensão da liminar de reintegração de posse e a obrigação da presidência da Casa em reabrir a negociação com os manifestantes.

15 de julho, os ventos sopram a favor da ocupação
No final da tarde dessa segunda-feira, os ventos começaram a soprar a favor os ocupantes da Câmara de Vereadores. Depois de um dia tenso de muita pressão política, o Bloco de Lutas conquistou uma grande vitória.

O despacho da Juíza Cristina Luisa  Marquesan da Silva, suspendeu a reintegração de posse da Câmara de Vereadores: “Considerando o certificado pelos Oficiais de Justiça que compareceram à Câmara de Vereadores e verificaram a presença de mais de 400 pessoas, Inclusive, crianças, em uma ocupação pacífica e organizada. Também, não há indícios de depredação do patrimônio público pelos manifestantes… Nesse instante, penso que existe a necessidade de se encontrar um mecanismo, uma forma de dialogar para diminuir o impacto de uma retirada violenta dos manifestantes que se encontram naquele local. Assim, por ora, suspendo o imediato cumprimento da medida liminar e designo audiência de conciliação para o dia 17/07/2013, às 15 horas”.

Essas palavras, lidas em plenário lotado pelos oficiais de Justiça, ficarão na memória de todos que hoje lutam pelo Passe-Livre. A ocupação, que desde o dia 10 resiste, demonstra mais uma vez a sua força. Agora, por ordem da Justiça, obriga a presidência da Casa a negociar sua retirada.

A euforia, o sentimento de vitória e a alegria dos ocupados não cabem em palavras. Já somam mais de 7 meses na rua, fazendo atos, panfletagens e passeatas. O Bloco de Lutas vêm desde janeiro organizando e somando forças pela luta de um transporte 100% público. A vitória desse dia 15, que reabre as negociações com os Vereadores, soma-se à revogação e à diminuição do aumento das passagens na capital.

Uma reviravolta surpreendente!
Todos aqueles que acordaram nesse dia 15 antes mesmo de raiar o sol, não imaginaram que o dia terminaria tão diferente de como começou. Nesse dia, a alvorada da ocupação foi cedo pois, a partir das 6h, os manifestantes sofriam eminente risco de desocupação pela força repressora do Estado. Era preciso madrugar para organizar a resistência. E assim foi feito. Nas primeiras horas da manhã foi realizada uma assembleia que decidiu os rumos do movimento: resistir e pressionar pela reabertura das negociações. No início da tarde organizou-se uma coletiva de imprensa onde o bloco pôde apresentar para a sociedade porto alegrense suas reivindicações.

O dia parecia não ter fim. Da mesma forma que o Bloco partiu para ofensiva, os governantes também. O Prefeito Fortunati (PDT) fez declarações de provocação ao Bloco, o Presidente da Câmara, Thiago Duarte (também PDT) se preocupou em repetir o factóide do dia de sábado, numa clara tentativa de criminalizar novamente o movimento.

Mas não adiantou, no final da tarde quem saiu vitorioso foi o Bloco de Lutas, e agora o incompetente – segundo suas próprias palavras, Thiago Duarte, terá que negociar com os manifestantes.

Manter a luta rumo ao passe-livre
Em janeiro, quando começaram as manifestações, os integrantes do Bloco eram considerados sonhadores por defenderam uma nova visão sobre o transporte público, onde haveria a possibilidade do passe-livre para estudantes, idosos e desempregados. Depois de 7 meses, de muita organização e, principalmente, de milhares nas ruas, os sonhos começam a se tornar realidade. A ocupação está a serviço dessa luta.

O final de semana foi de intensos debates e aprofundamento da discussão sobre o passe-livre. Como fruto desse processo os ocupados produziram um projeto de lei a ser apresentado aos Vereadores, ao Executivo e a sociedade de Porto Alegre. Permaneceremos mobilizados até a vitória!

Confira o Projeto de Lei do Passe-livre
Institui o passe livre no sistema de transporte coletivo por ônibus no Município de Porto Alegre para estudantes e desempregados, cria o Fundo Municipal de Mobilidade Urbana e dá outras providências.

Art. 1º Fica instituído o passe livre no sistema de transporte coletivo por ônibus no Município de Porto Alegre.

Parágrafo único. O passe livre importará no direito da utilização dos serviços de transporte coletivo por ônibus gratuitamente, por todos os estudantes e desempregados cadastrados no Sistema Nacional de Emprego – SINE, em todas as linhas e horários.

Art. 2º A garantia do passe livre, nos termos do art. 1º desta Lei, será condição para exploração do sistema de transporte coletivo por ônibus no Município de Porto Alegre.

§ 1º Os custos do passe livre serão suportados pelas empresas concessionárias do transporte público por ônibus, sem oneração do valor da tarifa;

§ 2º. O passe livre será suportado pela margem de lucro das empresas concessionárias.

Art. 3º. A adequação da margem de lucro à previsão legal dar-se-á a partir da correção das distorções do cálculo tarifário, possibilitando a redução da tarifa.

Art. 4º. Em nenhuma hipótese será admitida qualquer isenção fiscal ou subvenção, por parte do poder público municipal, às empresas concessionárias do transporte coletivo por ônibus, para financiamento do passe livre.

Art. 5º. Fica criado o Fundo Municipal de Mobilidade Urbana, destinado a investimentos em mobilidade urbana e na infra-estrutura do transporte coletivo público.

§ 1º. A diminuição do uso de veículos automotores privados, a valorização do transporte público coletivo, na preservação do meio ambiente, são fatores que norteiam a criação do Fundo de que trata este dispositivo.

§ 2º . Os investimentos de que trata este dispositivo referem-se aos diferentes modais, tais como malha cicloviária, transporte hidroviário, metroviário e rodoviário, dentre outros.

Art. 6º. O Fundo de que trata o art. 5º desta Lei será composto por recursos provenientes de impostos, taxas e tarifas que incidem sobre a propriedade privada de centros comerciais (shopping centers e assemelhados), de áreas ociosas, de áreas e prédios de estacionamentos, de bancos privados e de grandes empreendimentos imobiliários.

Art. 7º. Esta lei em vigor na data da sua publicação.

Justificativa do projeto de lei do Passe Livre elaborado pelo Bloco de Luta:
Este projeto foi pensado pelo Bloco de Luta pelo Transporte Público no intuito de combater a estrutura excludente das políticas governamentais e suas consequentes desigualdades sociais. A proposta se baseia, em primeiro lugar, na convicção de que o transporte público é um direito essencial, inclusive com previsão legal no artigo 30 inciso V da constituição federal de 1988, que prevê a competência do município “em organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo que tem caráter essencial”.

Nesse sentido, verifica-se a discordância da realidade concreta que apresenta dados de que 22% da renda das famílias que dependem diretamente do transporte público é destinada a gastos com locomoção (IBGE). Esses gastos reforçam a segregação social e as desigualdades de acesso à cidade e aos serviços básicos de educação, saúde, cultura, trabalho, lazer e outros. Reivindica-se assim a necessidade do passe livre para trabalhadores desempregados de maneira a facilitar o deslocamento para sua reinserção profissional.

Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, a evasão escolar de ¼ dos estudantes é decorrente dos altos gastos com transporte público, não suportado pelas famílias de baixa renda. Essa exclusão restringe o acesso à educação, direito fundamental, previsto na constituição federal, Art. 6. Contribui também para a distorção na relação entre a idade prevista dos estudantes e o período letivo cursado. Entendemos que o passe livre tem um impacto direto nesses índices e ressaltamos que a formação cidadã se dá pelo direito ao acesso à cidade, democratizando, assim, os bens culturais localizados nas mais diversas regiões. 

O processo histórico de urbanização da cidade de Porto Alegre instaurou grande concentração da riqueza nas regiões centrais da cidade. Processo este que foi conduzido pela especulação imobiliária e por ideologias racistas, que segregaram a população pobre para as áreas periféricas da cidade, excluindo-a do acesso amplo e irrestrito aos serviços básicos e de qualidade. Há uma divida histórica para com esta população, que ainda hoje perde seus territórios para o grande capital especulativo. Para tanto se fazem necessárias políticas públicas que viabilizem a diminuição das desigualdades sociais. Dessa forma, propomos o Passe Livre como instrumento dessa política pública visando a construção de uma relação equitativa entre acesso aos serviços de qualidade, transporte público e mobilidade urbana.

O Bloco de Luta também reivindica os direitos conquistados historicamente pela população deste país – nenhum direito a menos –, como a isenção tarifária de idosos e portadores de necessidades especiais. Por fim, afirmamos que transporte público é um direito inalienável conquistado pela população brasileira e, portanto, deve ser regrado pelas necessidades desta população e não pelo lucro exacerbado das empresas privadas.

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