Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

 

Em 16 de março de 1931, no bairro carioca da Penha, nascia Augusto Pinto Boal, aquele que se tornaria um dos maiores nomes do teatro brasileiro e mundial. Boal teve os primeiros contatos com o teatro na infância ao dirigir peças com seus irmãos. Formado em Engenharia Química na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, decidiu estudar dramaturgia em Nova York em 1950. Concluído o curso, em 1956, voltou ao Brasil e foi convidado a integrar o grupo de Teatro de Arena de São Paulo ao lado de José Renato e Gianfrancesco Guarnieri. A partir daí, Boal iniciou sua carreira como dramaturgo e diretor do que viria a ser um dos mais importantes e influentes grupos de teatro no Brasil.
Alinhado ao espírito de uma cultura nacional, Boal passou a se dedicar à investigação de uma dramaturgia própria, uma dramaturgia capaz de retratar a realidade brasileira. Baseado nisso, surgiu a ideia e a realização do Seminário de Dramaturgia em 1958. Considerado um divisor de águas na cena teatral, o seminário daria o norte para grande parte das produções posteriores do Teatro de Arena. A partir de 1960, inaugurando uma nova fase da dramaturgia brasileira e até mesmo se aproximando ao épico de Brecht, Boal já passava a ser considerado um dos maiores nomes do teatro no período, com a encenação de peças como Revolução na América do Sul, A Mandrágora e Um Bonde Chamado Desejo.
Logo após o golpe militar de 1964, Boal iniciou dois trabalhos marcantes em sua carreira. No mesmo ano, foi ao Rio de Janeiro para integrar o Grupo Opinião, ligado ao Centro Popular de Cultura da UNE (CPC), e ao lado de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, dirigiu o Show Opinião, espetáculo musical com João do Vale, Zé Keti e Nara Leão (posteriormente substituída por Maria Bethânia). O espetáculo teve sucesso instantâneo e é considerado um marco da resistência cultural ao golpe. Em 1965, de volta ao Teatro de Arena de São Paulo, escreveu e dirigiu, ao lado de Gianfrancesco Guarnieri e com composições de Edu Lobo, o musical Arena Conta Zumbi. A peça conta, nos palcos, a história da luta no Quilombo de Palmares. Zumbi é a primeira de uma série de peças musicais do Teatro de Arena, seguidas por Arena Conta Tiradentes e Arena Conta Bahia, com Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Tom Zé no elenco. Com o musical, Boal fez sua primeira experiência com o Sistema Coringa, que mais tarde seria uma das bases do método que desenvolveu: o Teatro do Oprimido.
Em 1971, após ser preso, Boal foi para o exílio, primeiro na Argentina e, depois, em 1978, fixou-se em Paris, onde permaneceu até 1984. Nesse período, se dedicou a pesquisar novas formas de teatro, baseando-se na ideia de que o fazer teatral é possível para atores e não-atores. Assim surgiu método do Teatro do Oprimido, que permitiu a Boal desenvolver uma prática teatral que auxiliasse na luta dos oprimidos e oprimidas. O método se caracteriza por estimular a ação direta dos espectadores numa encenação montada coletivamente a partir de uma situação real.
O Teatro do Oprimido desenvolveu diversas ramificações ao longo dos anos e das experiências de Boal em dezenas de países. Essas ramificações foram sistematizadas naquilo que ele chamou de Árvore do Teatro do Oprimido. Sua base são os canais estéticos da palavra, da imagem e do som, de onde saem o Teatro-Imagem e o Teatro-Fórum, dando origem a outras vertentes: Teatro-Invisível, Arco-Íris do Desejo, Teatro-Jornal e Teatro-Legislativo, cada uma criada a partir de uma experiência e de acordo com uma necessidade.
O Teatro-Imagem e o Teatro-Fórum talvez sejam as técnicas mais popularizadas do Teatro do Oprimido. A primeira surgiu como uma solução encontrada por Boal para trabalhar com indígenas que possuíam línguas maternas distintas e passavam por um processo de alfabetização. A técnica, portanto, propõe transformar questões e problemas em imagens concretas, fazendo a compreensão se dar a partir da leitura de uma linguagem corporal e não mais verbal. Já o Teatro-Fórum surgiu de uma experiência no Peru, onde uma mulher, insatisfeita com o que estava sendo encenado, subiu ao palco e, tomando o lugar da personagem oprimida, usou seu corpo e sua voz para mostrar uma solução alternativa para o problema apresentado em cena.
O método desenvolvido por Boal talvez seja sua maior contribuição ao teatro não só no Brasil, mas também internacionalmente. Difundido em dezenas de países, o Teatro do Oprimido inaugurou uma nova forma de trabalhar o teatro. A partir do debate de opressões e com um arsenal de jogos e exercícios que procuram desmecanizar o corpo e a voz, fica claro que o teatro, para além da estética, também é uma ferramenta de transformação.
Hoje, utilizar as técnicas do Teatro do Oprimido nas lutas sociais e políticas é cada vez mais atual e necessário. Nas palavras de Boal: “Eu gostaria de ser lembrado não na contemplação, mas no exercício do Teatro do Oprimido. Eu gostaria de ser lembrado na ação, na atividade das pessoas”. Portanto, seja a partir de sua importância histórica para o teatro brasileiro, seja pela inovação metodológica para o teatro mundial, lembrar os 85 anos de Augusto Boal significa, acima de tudo, manter sua memória e seu legado sempre atuais, porque Boal vive. Viva Boal!