A abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), naturalmente desencadeou uma campanha dos partidos e movimentos sociais que apoiam o governo. Eles começaram a se organizar para barrar o possível impedimento da presidente.

Os eixos políticos desta defesa já foram definidos. Num ato com a presença de Lula, centrais sindicais e movimentos sociais como CUT, UNE, MST, UBES, CMP, Nova Central, UGT, parte da Força Sindical e Conam, assim como dos partidos políticos governistas PT, PCdoB, PDT, PCO e PSB lançaram a frente “Em defesa da democracia contra golpe”.

Ao mesmo tempo, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), o presidente do PDT, Carlos Lupi, e o ex-ministro Ciro Gomes lançaram a frente “Golpe Nunca Mais”, tentando ligar o impeachment ao golpe militar de 1964 e à ameaça de uma repetição dos 20 anos da ditadura.

Outros partidos, como PSOL e Rede, também se pronunciaram contra o impeachment, ainda que o PSOL tenha dito em nota que “não participará de manifestações que tenham como finalidade defesa do governo ou de defesa do impeachment”.
 

Onde estão os golpistas?
A quem serve o fantasma do golpe?

Estamos, de fato, diante de uma ameaça de golpe ou de uma situação comparável à que existia antes do golpe de 64?

Nada mais falso. Até agora, ao contrário de 64, a maioria dos setores empresariais (bancos, empreiteiras e agronegócio) apoiaram o governo de Dilma que, a exemplo de Lula, os favoreceu com juros altos e benefícios fiscais que, só em 2015, alcançaram R$ 408 bilhões.

Mesmo diante do processo de impeachment, a maioria dos setores empresariais se pronunciou com extrema cautela a favorde uma resolução rápida do processo para que o país recupere a estabilidade necessária para superar a crise econômica. Por outro lado, nem o governo Dilma, nem o PT têm denunciado qualquer tipo de articulação dos quartéis a favor de um golpe militar.

O impeachment não é fruto de uma conspiração para um golpe, mas do fato de que os governos do PT, que serviram tão fielmente à burguesia durante 12 anos, já não conseguem conter a insatisfação popular diante da crise econômica e da sua própria política de ataque aos trabalhadores. Nesse contexto, a divisão burguesa se aprofundou, e um setor do PMDB e da base aliada do governo, passou para o lado da oposição e aderiu à tese do impeachment.

A agitação do fantasma do golpe de 64 é uma tentativa do PT de conseguir simpatia de uma parcela importante da população que repudia a ditadura militar e a ação da direita reacionária.
 

Conversa fiada
Defender o governo é defender a democracia?

Outro argumento da frente contra o impeachment é que o governo foi eleito democraticamente para um mandato de quatro anos e tem o direito de terminar este período. Esta seria a forma de respeitar a Constituição Federal.

Este é o argumento clássico da democracia burguesa: os eleitores devem votar em quem terá o direito de explorar o povo durante os próximos anos e, depois, têm de aguentá-los até o fim do seu mandato.

Nós, socialistas, defendemos as liberdades democráticas contra as tentativas de retrocesso, tais como os golpes militares e os movimentos fascistas. Mas não reconhecemos nem defendemos esta falsa democracia dos ricos quando os governos pretendem usar suas instituições para atacar os trabalhadores e o povo pobre. Por isso, defendemos que os mandatos devem ser revogáveis pelo povo a qualquer momento.

O verdadeiro golpe
Durante a campanha eleitoral, Dilma prometeu que não tocaria nos direitos sociais e trabalhistas “nem que a vaca tussa”, mas a primeira coisa que fez assim que assumiu o mandato foi retirar ou restringir direitos como seguro-desemprego, PIS, pensões e outros direitos dos trabalhadores. E continuou com o ajuste fiscal, que atinge essencialmente os orçamentos sociais: foram cortados R$ 9 bilhões da Educação e outros tantos da Saúde, enquanto foram mantidos os benefícios aos bancos e às empresas.

O pior é que, diante da ameaça de impeachment, o governo está planejando atacar ainda mais os trabalhadores para tentar conseguir a simpatia dos setores empresariais, das grandes empresas imperialistas e dos políticos. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi muito claro. Para acalmar os empresários e políticos, ele defendeu que Dilma anunciasse reformas (deveria dizer ataques aos direitos) tais como a instituição de uma idade mínima para aposentadoria (fala-se em 65 anos) e revisitar o setor de óleo e gás (leia-se mais abertura para o capital imperialista).

Portanto, defender a democracia não significa defender um governo que mentiu durante toda a campanha eleitoral e que continua mentindo para proteger os interesses dos grandes bancos, das multinacionais, das empreiteiras e do agronegócio. Muito menos significa defender um governo que ataca permanentemente os trabalhadores e os setores oprimidos da sociedade.

Ao contrário, os trabalhadores e a juventude do país, que estão lutando dia a dia contra as medidas do ajuste fiscal, em defesa dos seus direitos, contra o desemprego e os baixos salários, sabem que precisam se livrar desse governo e têm o direito democrático de derrubá-lo.

Isso não significa apoiar este impeachment. O processo de impedimento é um conchavo uma Câmara de Deputados que é um verdadeiro antro de corruptos, bandidos e exploradores. Chefiados pelo maior deles, Eduardo Cunha. O impeachment orquestrado por esta quadrilha colocaria o vice-presidente Michel Temer na presidência, o que seria trocar seis por meia dúzia.

Portanto, os trabalhadores devem lutar, se mobilizando nas ruas, para colocar todos (Dilma, Temer, Cunha, Aécio e outros) para fora. Se não tiverem forças para construir neste movimento uma alternativa de governo dos trabalhadores, devem exigir, no mínimo, a realização de eleições gerais que permitam que o povo escolha democraticamente todos os cargos executivos e legislativos do país.
 

Frente pra quê?
Uma frente contra o ajuste?

Algumas organizações, como o PSOL, acreditam que outro tipo de frente que não está de acordo com o ajuste fiscal seria progressivo no contexto atual e que seria a melhor forma de fazer avançar o movimento dos trabalhadores e o povo. No seu 5° Congresso, o PSOL explicou sua posição numa nota:

“A construção da Frente Povo Sem Medo abre a possibilidade de unir o PSOL com diversas entidades e movimentos populares numa linha de mobilização de massas centrada no rechaço do ajuste do governo federal e na rejeição da pauta política da direita reacionária. Cria, portanto, melhores condições para a visibilização de uma saída à esquerda da crise, melhorando as condições de luta para os trabalhadores e o povo.”

O problema é que o ajuste fiscal não anda sozinho. Existe um agente público do Estado que o aplica, e este agente tem nome: é o governo Dilma. Quem não luta contra o agente direto do ajuste, isto é contra o governo, trava uma luta de aparências, que não se propõe a derrotar o verdadeiro inimigo que sustenta o ajuste.

Na verdade, o problema da Frente Povo sem Medo é mais complicado do que descreve a nota do PSOL. Grande parte dos seus componentes, como a CUT e a UNE são organizações que apóiam abertamente o governo, fazem parte da Frente Brasil Popular, também de apoio ao governo e agora estão na frente “Contra o golpe, em defesa da democracia” contra o impeachment.

A própria postura do dirigente mais destacado da Frente Povo sem Medo, Guilherme Boulos do MTST, indica suas relações com o governo. Na reunião de Dilma com os movimentos sociais no Palácio do Planalto alguns meses atrás, Boulos criticou o ajuste fiscal e a política de Joaquim Levy, mas foi claro em sua posição contra o suposto golpe e em defesa do mandato de Dilma. Para não deixar dúvidas, fez uma declaração semelhante gravando um vídeo com o mesmo conteúdo, saudando o aniversário de Lula.

 

Cortina de fumaça
Os limites dessas frentes freiam o movimento de massa

A ideia de formar estas frentes foi uma política hábil de Lula e da direção do PT para tentar acionar um movimento de defesa do governo ao mesmo tempo em que procura encobrir o desprestígio do PT sob a cobertura de outras organizações.

A relação entre as frentes funciona como uma engrenagem de rodas dentadas onde um motor, no caso o governo, por meio de diferentes rodas (as frentes), vai transmitindo sua orientação e seus movimentos às demais.

Nesse sentido, ainda que se oponha ao ajuste fiscal, a Frente Povo sem Medo é uma organização que, por sua omissão quanto ao governo Dilma e pela participação dos componentes a favor do governo, não deixa de ser o pé esquerdo do arco de organizações que apóia Dilma nessas frentes.

É preciso, sim, uma frente das organizações dos trabalhadores e dos setores populares. Mas estas frentes sequer combatem o ajuste fiscal e os ataques aos direitos dos trabalhadores. O PSTU defende que qualquer frente de trabalhadores tem que se basear na independência da classe trabalhadora e da juventude, ou seja, na luta contra o governo e contra a direita.

Uma frente deste tipo não pode aceitar as pressões de um suposto mal menor, representado pelo suposto campo progressista, diante do mal maior, identificado como o campo reacionário da oposição golpista. Na verdade, os dois campos defendem uma política burguesa neoliberal e diferem apenas sobre quem deve aplicá-la. Os trabalhadores têm seus próprios interesses, opostos a ambos. É necessária uma Frente dos Trabalhadores e do Povo que represente estes interesses de classe.