As eleições são, em geral, o caminho mais rápido para a domesticação da esquerda, para a adaptação dos partidos revolucionáriosA frustração com o governo Lula estará presente nas eleições de outubro. Milhões de pessoas se sentem enganadas, porque alimentaram a expectativa, durante muitos e muitos anos, de melhorar suas vidas pelas eleições, com o PT no governo federal.

É hora de a esquerda discutir profundamente sobre a participação nas eleições. Servem para mudar alguma coisa? Os revolucionários devem participar delas? Para quê?

Enganam-se aqueles que acreditam que as eleições são apenas grandes oportunidades. Podem ser e em geral são, o caminho mais rápido para a domesticação da esquerda, para a adaptação dos partidos revolucionários.

Em primeiro lugar, para participar das eleições, é importante saber aonde se está metendo, entender a democracia burguesa, suas características, suas armadilhas.

Um jogo de cartas marcadas

A democracia, tal qual a conhecemos hoje, no Brasil, tem 20 anos. Em 1964, um golpe militar derrubou o governo João Goulart iniciando uma ditadura que duraria até 1984. O regime militar trouxe a repressão violenta, os assassinatos dos opositores, a censura à imprensa.

Sabemos o valor das liberdades democráticas conquistadas, com a derrubada da ditadura.

Mas já é hora de discutir os 20 anos de democracia burguesa, e seus reflexos sobre o povo brasileiro, assim como sobre a esquerda.

A euforia democrática que existia logo após a queda da ditadura se foi. O que predomina nas grandes cidades é uma enorme desconfiança dos trabalhadores e da juventude em relação aos “políticos”. Essa desconfiança é justa, e tem uma explicação: a democracia não ajuda a comer, a vestir, a morar. Ao menos para os pobres.

A democracia burguesa possibilitou um ataque ao nível de vida das massas superior até mesmo ao da ditadura militar, com os planos neoliberais de Collor, de FHC e, agora, de Lula. Os salários nunca foram tão baixos, nem o desemprego tão alto nos últimos 40 anos. A aposentadoria dos trabalhadores privados já tinha sido atacada pela ditadura e Lula completou o serviço com o funcionalismo público. O governo do PT está se dispondo agora, com as reformas Sindical e Trabalhista a cortar conquistas (como as férias e o décimo terceiro) que nem a ditadura ousou fazer.

O regime democrático é uma forma do Estado burguês, uma combinação de instituições (parlamento, presidência, justiça, forças armadas), que não é nada democrática para as grandes massas. Na verdade, é uma ditadura dos grandes empresários, com uma forma democrática. Serve essencialmente para a dominação econômica e política da burguesia, que é a geradora da fome e da miséria do povo.

As liberdades democráticas são claramente limitadas para os trabalhadores, sob a democracia burguesa. Basta ver que não existem liberdades para organizar uma comissão de fábrica, na maior parte das principais empresas do país. O vice-presidente da República, um “democrata”, proíbe qualquer organização sindical em suas fábricas têxteis. A burguesia tem o controle absoluto da imprensa escrita, com seus jornais, suas gráficas. Os trabalhadores sequer têm tempo livre para se reunir e se organizar.

É verdade que, a cada dois anos, o povo brasileiro é chamado para votar. O povo tem, assim, a ilusão de que pode decidir e mudar sua vida pelo voto, elegendo um ou outro candidato.

No entanto, a burguesia controla a economia, os meios de comunicação (TVs, jornais, rádios) e o Estado, tendo, assim, uma gigantesca vantagem para as eleições. Com suas empresas, pode financiar campanhas multimilionárias para seus candidatos, ou mesmo comprar votos. Com os meios de comunicação pode influenciar as campanhas eleitorais, impulsionar um candidato ou destruir outro. A Globo decidiu as eleições a favor de Collor contra Lula, em 89, assim como destruiu a candidatura de Roseana Sarney, nas eleições passadas.
Por último, as instituições do regime (como o parlamento, os governos etc.) possibilitam a cooptação dos partidos de esquerda, de tal maneira que, quando cheguem ao governo, não haja nenhuma mudança real na política aplicada pela direita.

Foi o que se passou com o governo do PT. Lula foi eleito porque o povo brasileiro, em sua maioria absoluta, tinha feito a experiência com os planos econômicos neoliberais de Collor/FHC, e queria mudanças. Uma vez eleito, segue aplicando, e aprofundando, os planos neoliberais. O povo votou na mudança, Lula impõe a continuidade.

Assim, temos um jogo de cartas marcadas. A ditadura do capital se revela, a “democracia” é apenas uma farsa. Mandam as grandes empresas multinacionais, as mesmas dos tempos da ditadura militar, independentemente de qual seja o governo, e em quem as massas votem.
Nos tempos de globalização, a farsa é ainda maior, porque as democracias burguesas de países como o Brasil, têm características coloniais, submetidas ao imperialismo, à dominação do FMI.

O exemplo do PT e da esquerda

A domesticação do PT é uma das maiores conquistas da burguesia. Como um partido, que nasceu das lutas do movimento operário, pôde se transformar em um partido da ordem, que aplica, a partir do governo federal, um programa neoliberal?

Essa pergunta evidentemente, tem muitas respostas. Mas, seguramente, a principal é a incorporação da estrutura de quadros desse partido ao regime democrático-burguês, com seus cargos e verbas.

A composição dos congressos do PT confirma essa evolução. Nos primeiros congressos, os delegados eram ativistas e dirigentes das lutas sindicais, populares e estudantis. No final da década de 90, os congressos já eram reuniões de parlamentares e seus assessores. Nesse período, milhares e milhares de ativistas passaram a viver como vereadores, deputados, prefeitos, governadores ou funcionários de seus gabinetes.

Todo esse pessoal vive do aparelho de Estado, em geral, com salários muito superiores aos que tinham antes. Sua maior preocupação é ver como ganhar as próximas eleições para seguir recebendo seus salários, e não a intervenção na luta de classes e na ação direta das massas.

Daí vem o vale-tudo eleitoral, com a busca de acordos com a burguesia, aceitando financiamentos de suas campanhas que, depois, serão cobrados com favores do aparelho de Estado. Daí vem a corrupção que agora surge à tona com os casos de Waldomiro, de Celso Daniel, dos vampiros da Saúde, das negociatas do lixo em São Paulo etc. O PT já era um partido completamente adaptado ao regime, mesmo antes de chegar ao governo federal.

Mas isso não ocorre somente com a Articulação, direção majoritária do PT. A esquerda petista sofre dos mesmos problemas, com seus deputados, prefeitos e ministros. Não é por acaso, que esse setor não rompe com o PT, apesar de saber que não tem nenhuma possibilidade de mudar o curso do governo Lula.

Um teste simples pode ser feito sobre essas correntes, com duas perguntas: Qual é o centro da atuação de seus quadros dirigentes? As finanças da organização dependem do parlamento? Se o centro de atuação for ao redor do mandato de parlamentares, se as finanças do grupo dependem do dinheiro do parlamento, o diagnóstico é fácil: estão integrados ao regime, refletindo o mesmo processo social e político da Articulação. Estão tão integrados ao regime, aos cargos que desfrutam, que incorporaram a lógica da direção do PT: terminam uma eleição e começam a preparar a outra. Não é por acaso que uma das leis básicas do marxismo é o entendimento de que a existência material determina a consciência.

O PSOL, partido recém-criado de oposição ao governo, sofre dos mesmos problemas. Esse partido tem nos deputados radicais e na senadora Heloísa Helena, suas principais figuras públicas. Os quadros fundamentais do MES, CST, MTL, as correntes de esquerda mais importantes desse partido, giram ao redor dos gabinetes de Babá, Luciana Genro e da própria Heloísa. As finanças desses grupos dependem dos salários dos deputados e da senadora, assim como dos funcionários dos gabinetes. Esse partido já nasceu com uma estratégia eleitoral, ao redor do lançamento de Heloísa Helena à Presidência em 2006 (o que pode render a reeleição desses deputados), rejeitando a estratégia da Revolução Socialista.

Evidentemente, existem diferenças políticas entre a direção majoritária e a esquerda petista, e mais ainda com o PSOL e o governo. Mas são diferenças entre partidos inseridos no regime democrático-burguês, como existiam antes entre o PSDB e o PT, quando este estava na oposição.

É o caso então de participar das eleições?

Já que é um jogo viciado, para que participar? Essa pergunta deve estar na cabeça de milhões de pessoas neste momento.

Para responder a isso é preciso saber o que as massas vão fazer. Trata-se de uma opção tática. Se estivéssemos em um grande ascenso revolucionário, com as massas questionando diretamente o regime, poderíamos adotar uma tática de boicote às eleições. Em determinados momentos, isso pode ser fundamental.

Mas essa não é a realidade, hoje, no Brasil. Apesar de muito desconfiadas, as massas vão, em sua ampla maioria, votar. Se os revolucionários optassem, neste momento, por uma tática de boicote, ou de voto nulo, deixariam o campo livre para as alternativas burguesas do momento. Não cabe, neste caso, argumentar que as eleições são burguesas. Isso nós sabemos, falta convencer as massas disso, e essa tarefa não se resolve por decreto, mas através de uma larga luta política, e de suas próprias experiências.

No caso concreto brasileiro, não participar das eleições seria deixar a oposição burguesa capitalizar sozinha o desgaste do governo. Uma tática ultra-esquerdista favoreceria o jogo da direita, do PSDB, do PFL.

Para que então participar?

Nesses duros tempos em que a maioria das correntes de esquerda se integrou aos parlamentos, nada mais atual e moderno do que as resoluções da III Internacional, dos tempos de Lenin e Trotsky, sobre a participação dos revolucionários nas
eleições.

Em seu segundo congresso, a Internacional afirmava sobre o tema:

“O método fundamental da luta contra a burguesia, isto é, contra o seu poder governamental, é, antes de tudo, o da ação das massas”.

Isso significa que os revolucionários devem priorizar as lutas diretas das massas, nas greves, ocupações de terras, mobilizações de rua, e não as eleições. Ou seja, o oposto do que faz a maioria das correntes de esquerda.

“Nessa luta de massas (…), o partido dirigente deve, em regra geral, fortificar todas as suas posições legais, fazendo delas pontos de apoio secundário de sua ação revolucionária, e subordinando-os ao plano da campanha principal, ou seja, a luta das massas. (…) A tribuna do parlamento burguês é um desses pontos de apoio secundários”.

Não existem condições de reformar o capitalismo pela via eleitoral. Nesse sentido, o parlamento só pode ser um ponto de apoio secundário para o que deve ser o centro da ação dos partidos revolucionários: as lutas diretas das massas, porque é através dessas ações que se pode preparar a Revolução.

A III Internacional definia também: “A campanha eleitoral em si mesma deve ser conduzida, não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas a partir das palavras de ordem da Revolução Proletária”.

Isso é o oposto do que faz a maioria absoluta das correntes de esquerda. Predomina um vale-tudo para conseguir se eleger, que começa por falar aquilo que pode dar votos e não o que é necessário para a mobilização das massas. Por isso, todos os setores de esquerda que estavam no PT nas eleições de 2002 (incluindo a atual esquerda petista e os que hoje compõem o PSOL, como Babá, Luciana Genro, João Fontes), não criticaram Lula por seu projeto de governo, porque isso não dava votos naquele momento. Tampouco se integraram na campanha do plebiscito contra a Alca, que recolheu quase 11 milhões de votos.

A campanha eleitoral do PSTU será de oposição ao governo federal, nacionalizando o debate. Vamos apoiar todas as lutas que existirem, desde as salariais, e as ocupações de terras, até a mobilização contra a Alca, em defesa do plebiscito oficial. A campanha servirá para a denúncia do regime e da farsa da democracia burguesa.

A III Internacional também recomendava em relação aos candidatos: “Os Partidos Comunistas devem rebater com seu desprezo implacável, os oportunistas que vêm a eles com a finalidade única de entrar no Parlamento”.

Por esse motivo, os candidatos do PSTU são metalúrgicos, professores, bancários, estudantes, que defendem um programa revolucionário. Se eleitos, receberão um salário correspondente ao que ganhavam antes. Isso é muito importante, porque é necessário que um parlamentar revolucionário tenha, em essência, a mesma vida material de antes.

Assim, é possível apresentar uma alternativa revolucionária nas eleições, para disputar o espaço de oposição ao governo Lula com a oposição burguesa. Vamos apresentar uma alternativa de oposição de esquerda com o PSTU, um partido que pode participar das eleições, sem se transformar em um novo PT.
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