A história de três ex-presidiários negros que passaram a maior parte da vida atrás das grades nos EUA

Angola Três é o grupo de três ex-presidiários negros (Robert King, Albert Woodfox e Herman Wallace), que foram colocados em confinamento solitário na Penitenciaria do Estado de Lousiana, nos Estados Unidos, em abril de 1972. São os homens que sofreram o maior confinamento solitário nos Estados Unidos.

Foram presos na prisão de Angola, uma antiga plantação de escravos onde a violação institucionalizada e assassinato a tornaram conhecida como uma das prisões mais brutais e racistas nos Estados Unidos.

São a clara demonstração do atual racismo no maior país imperialista do mundo, e como mesmo a mais considerada democracia burguesa criminaliza, reprime e ataca qualquer organização que venha dos setores mais oprimidos da sociedade.

Robert King passou 29 anos em solitária até que sua condenação fosse anulada e ele colocado em liberdade.  Herman Wallace foi solto em 1º de outubro de 2013, depois de mais de 41 anos de prisão, em liberdade condicional. Albert Woodfox foi solto recentemente em 19 de fevereiro de 2016, após 43 anos de prisão em cela solitária.

Wallace, que tinha avançado câncer no fígado, morreu em 4 de outubro de 2013, 3 dias depois de ser solto e antes que pudesse ser preso novamente, pois o estavam processando mais uma vez. Jackie Sumell, um artista e defensor Wallace, que estava com ele no Centro Médico da Universidade do Estado de Louisiana, em Nova Orleans disse: “Esta é uma tremenda vitória e um milagre que Herman Wallace vai morrer um homem livre”. Depois completou: “Seus últimos respiros foi como um homem livre, nós vencemos.

Estes três homens chegaram a Angola com condenações por roubo, dois deles fundaram células do Partido dos Panteras Negras para lutar por melhores condições carcerárias, isso em uma prisão com uma direção absolutamente branca.

Em 1972, buscando acabar com estas atividades, a direção da prisão forjou acusações de homicídio contra Woodfox, Wallace e King e colocou-os em regime de prisão solitária permanente como exemplo. Utilizando-se de testemunhos de presos delatores e de jurados constituídos exclusivamente por homens brancos, conseguiram condená-los à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional e cumprida em regime de isolamento solitário.

No partido dos Panteras Negras
Woodfox tinha aderido à organização Black Panters em Nova Iorque, depois de ter feito uma fuga espetacular do Tribunal de Nova Orleans. Estando em Nova Iorque com uma identidade falsa, ao ser preso começou a realizar protestos dentro das prisões. Mas logo foi enviado de volta ao Louisiana, e daí para Angola.

Wallace tornou-se um Pantera Negra quando estava detido numa prisão distrital de Nova Orleans, através do convívio com um grupo de presos políticos conhecidos como os “12 Panteras de Nova Orleans”.

Ao chegarem a Angola começaram a construir sua organização para não ficar à mercê dos guardas, da repressão e das retaliações, e com isso desafiaram a administração carcerária, arriscando a vida para proteger presos mais fracos e jovens das violações e da escravatura sexual.  Lutaram também contra a segregação das instalações prisionais, onde as cantinas e as zonas de trabalho eram divididas racialmente. Expuseram a corrupção generalizada da direção da prisão, que chegava a desviar a comida produzida pelos presos, tanto para consumo próprio, como as entregando a comerciantes que a vendiam na cidade.

Como não poderia deixar de ser, a direção racista e corrupta da prisão respondeu prendendo todos que os apoiavam em celas solitárias. O vice-diretor, Hayden Dees, disse no tribunal da necessidade de repressão a “certo tipo de preso, militante ou revolucionário, quem sabe talvez mesmo comunista” em regime permanente de solitária.

A farsa do assassinato do guarda penitenciário
Em 16 de abril de 1972, uma barraca de madeira de um guarda tinha sido atacada com uma bomba incendiária, queimando o guarda lá dentro. No dia 17, houve paralisação na cozinha em protesto contra os turnos punitivos de 16 horas. Presos ficaram sem comida por algumas horas. Durante esta movimentação, o guarda branco Brent Miller é encontrado morto com 32 punhaladas no corpo.

Nos dias seguintes o terror se instala entre a população negra de Angola. Espancamentos em massa, abusos físicos e psicológicos. Presos com penteados “afro” tiveram o seu cabelo raspado à força.  Mas um preso, Hezekiah Brown, depois de coagido pelos diretores, diz que testemunhou o crime (inicialmente tinha dito que não tinha visto nada), e aponta Woodfox e Wallace como os assassinos, assim como Chester Jackson e Gilbert Montegut.

Woodfox vai ao tribunal e é condenado à prisão perpetua por um júri constituído somente por homens brancos. Wallace, Jackson e Montegut são julgados depois. No meio do julgamento, Chester Jackson, aparece na mesa da acusação. Fez um acordo com o Estado e entregou Wallace e Montegut, declarando-se culpado de homicídio involuntário. Wallace é condenado, Montegut contou com um guarda prisional como testemunha que lhe deu um álibi e é absolvido.

O caso de Robert King
Robert King também aderiu aos Panteras Negras na prisão distrital de Nova Orleans através do contato com o grupo “12 Panteras de Nova Orleans”, e transferido a Angola em abril de 1972, depois do guarda Miller ter sido assassinado. É colocado diretamente na prisão solitária por sua militância reconhecida com a justificativa de que estava sob investigação. Dezenove anos depois soube que estava sob investigação sobre seu envolvimento no assassinato do guarda Brent Miller, embora estivesse preso a centenas de quilômetros e a seis meses de distância. Durante 29 anos, a Comissão de Classificação dos Presos de Angola, reviu o caso de Robert King a cada três meses. Todas as vezes ele foi informado que a continuação do seu isolamento se justificava por estar “sob investigação”.

A 10 de junho de 1973, as celas do seu corredor foram abertas, todas ao mesmo tempo, e desencadeou-se uma luta entre dois presos: Grady Brewer e August Kelly. August Kelly morreu esfaqueado. Onze facas aparecem no chão, mas só uma, a de Brewer, foi utilizada para matar Kelly. Mas os onze presos foram acusados de participação no assassinato, e incrivelmente depois foram retiradas as acusações contra nove. Apenas Brewer e King ficaram acusados do crime.

No tribunal, Brewer tem um comportamento insubordinado e o juiz ordena que ambos sejam algemados de mãos e pés e suas bocas cobertas com fita cola. Em 1974, o Supremo Tribunal do Louisiana anula a condenação de Robert King, destacando a irregularidade de o juiz ordenar que King fosse amordaçado em resposta a um comportamento de Brewer.

Em 1975, King vai a novo julgamento. Um dos presos, testemunha do Estado, recusa-se a depor e Brewer declarou que apenas ele tinha lutado com Kelly. No entanto, o júri (formado por funcionários da prisão, ou familiares e amigos destes) voltou a condenar King à prisão perpétua, sem possibilidade de libertação. Com o passar dos anos ambos os presos que inicialmente tinham testemunhado contra ele retiraram o seu depoimento.

Em 1994, o Tribunal de Recurso dos Estados Unidos concedeu um novo julgamento a Robert King com base no fato de terem sido inconstitucionalmente excluídos negros e mulheres do júri. Então decidiu “por aspectos técnicos da lei” conceder-lhe um Habeas Corpus. Mas mesmo assim ele continuou preso

A 8 de fevereiro de 2001, King obteve finalmente a sua libertação. Mas teve de aceitar uma acusação de “conspiração para cometer homicídio” – isto é, recusar-se a depor como testemunha de acusação contra outro preso.

O último de Angola
Este ano um tribunal norte-americano ordenou a libertação de Albert Woodfox, o prisioneiro que esteve mais anos em regime de isolamento nos EUA. Antigo membro dos Panteras Negras e um dos homens do grupo “Três de Angola”, passou grande parte dos últimos 43 anos fechado numa pequena cela, 23 horas por dia.

Wallace descreveu a cela onde passou quatro décadas da sua vida: “Consigo dar uns quatro passos para a frente antes de chegar à porta. Se virar a cara, bato em alguma coisa. Já estou habituado, e isso é uma das coisas más desta situação.”

Os Estados Unidos é conhecido como a maior democracia do mundo. Pois bem, esta democracia, como todas as outras do mundo, mantém gente inocente na prisão, ativistas políticos e militantes que simplesmente lutam por uma revolução social ou por uma sociedade sem exploradores e sem explorados, e que por isso são criminalizados.

Mesmo com o governo Obama ou o governo Dilma de frente popular no Brasil, a elite burguesa branca se utiliza de toda a sua legislação para prender os que lutam por liberdade. Fraudando processos judiciais, inquéritos e investigações.

Lá como aqui, a burguesia se sente à vontade para utilizar tudo que for necessário para reprimir a juventude, negra e pobre da periferia, ainda mais se for revolucionária.