Isadora Lima, de Fortaleza (CE)

Acordamos com a notícia de mais uma travesti assassinada no Ceará. Enquanto deixava currículo no Sistema Nacional de Empregos/Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (Sine/IDT), em Itaitinga, a cabeleireira foi atingida com tiros na cabeça e nas costas. Ainda com o nome social não revelado, ela não pôde se defender. O inquérito sobre o crime ainda será instaurado na Delegacia Metropolitana de Itaitinga.

Em fevereiro deste ano, a travesti Dandara dos Santos foi brutalmente agredida, torturada e morta a tiros e pedradas no bairro Bom Jardim. Além de Dandara, também em fevereiro, outra travesti morreu após espancamento, na avenida José Bastos. Hérica Izidório ficou internada no IJF, mas não resistiu e veio a falecer no último dia 12 de abril. Em janeiro, o corpo da travesti Paola Oliveira foi achado às margens da BR-116.

Pelas estatísticas que chegam ao conhecimento da organização não governamental Transgender Europe, o Brasil foi o país que, em 2016, mais matou pessoas trans no mundo. Só em 2016, foram contabilizados 144 assassinatos, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB). Sabendo que os crimes são subnotificados, é a ponta de um iceberg de um problema social que vem dizimando toda uma população pelo ódio e pelo preconceito. Já em 2017, segundo o Monitoramento da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil), 25 travestis e transexuais foram assassinadas no país, 4 delas no Ceará.

O fato da travesti assassinada estar num órgão voltado à procura de emprego não é mera coincidência. O relatório “Injustice at Every Turn” realizado em parceria pelas ONGs norte-americanas National Center for Transgender Equality and The Task Force, comprova que pessoas trans e travestis estão quatro vezes mais propensas a viver na pobreza e amargar no desemprego. Esse cálculo reflete duas vezes maior chance do que a população em geral. Com o recorte de raça, a chance aumenta para quatro vezes.

Quanto à marginalização às trans e travestis, o Brasil é um dos países mais excludentes. Conforme estudo da RedeTrans, 82% das mulheres transexuais e travestis abandonam o ensino médio por hostilidade e rejeição familiar, e por intolerância na escola. 90% acabam, sem outras oportunidades de emprego, encontrando forma de subsistência na prostituição.

Se há imensa dificuldade de conseguir um trabalho formal para muitos brasileiros, e no Ceará o número de desempregados chega a quase meio milhão, para as trans e travestis esse obstáculo é muito maior. Por mais que elas queiram conseguir um emprego com rotina, horário de trabalho e carteira assinada, a discriminação fica escancarada quando elas se pleiteiam a uma vaga. Nunca recebem uma ligação de volta, são julgadas pelo nome de registro e humilhadas pela sua identidade.

Associado à luta pela ampliação de vagas de emprego e oportunidades, está a busca pelo reconhecimento da identidade de gênero. No Brasil, ainda é um processo extremamente engessado e burocratizado, podendo levar até 3 anos para mudar o nome social na Justiça. Enquanto que em outros países como a vizinha Argentina e em Portugal basta entregar no cartório o laudo médico reconhecendo a sua identidade de gênero para garantir o direito de mudança de nome.

Devido à repercussão nacional que teve o assassinato de Dandara e sob muita pressão social com organização das LGBTs no Estado, o governador Camilo Santana (PT), foi obrigado a assinar um decreto que permite às transexuais e travestis terem seu nome social respeitado nos serviços governamentais e autorizou o atendimento às transexuais e travestis nas dez delegacias da Mulher no estado. É muito grave que tenha sido necessário ocorrer um crime tão bárbaro para que o Governador tomasse tal providência.

Não queremos mais trans e travestis aumentando as estatísticas de obituários. Os crimes de ódio precisam de uma penalização. Contudo, a criminalização encontra resistência principalmente entre os parlamentares da bancada religiosa. O projeto de lei da Câmara dos Deputados (PLC 122/06) que tratava sobre o tema de crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero e orientação sexual, depois de passar 8 anos em tramitação, foi arquivado em 2014, sem aprovação. É preciso exigir a laicidade do Estado, sem controle ou imposição de uma religião e a retomada da discussão da pauta.

À população trans e travesti é negado o direito ao trabalho, à saúde especializada, à educação, à dignidade de ser quem realmente é e à própria vida. É preciso ter políticas voltadas para os (as) LBGT’s garantindo o direito ao nome social, criminalização da LGBTfobia, atendimento em delegacias das mulheres, discussão sobre gênero nas escolas de maneira a reduzir o desconhecimento e a intolerância. Mas não tenhamos nenhuma ilusão, a crise econômica indica uma tendência ao agravamento das opressões e mostra cada vez mais elementos de barbárie. Não existirá solução para LBGTfobia no capitalismo, é cada vez mais urgente a unidade de homens e mulheres da classe trabalhadora, negros e LGBT’s para pôr fim a esse sistema e toda forma de opressão e exploração.