Milhares de professores marcharam pelas ruas do Rio após deflagarem greve
(Foto: Erick Dau)

“O parlamentarismo ‘caducou historicamente’. Isso está certo do ponto de vista da propaganda. Mas ninguém ignora que daí à sua superação na prática há uma enorme distância. Há muitas décadas já se podia dizer, com toda razão, que o capitalismo havia ‘caducado historicamente’.Mas isso nem mesmo impede que sejamos obrigados a sustentar uma luta extremamente prolongada e tenaz no terreno do capitalismo” (Lênin, Esquerdismo: doença infantil do comunismo)

 

O Rio de Janeiro, até o momento, tem se mostrado o ponto mais alto das jornadas de luta que iniciaram em junho. Assim, também no terreno do debate das diversas táticas a serem utilizadas, como e quando utilizá-las e com qual forma e conteúdo, justifica-se ser no Rio onde o debate é mais acirrado.

Não há dúvida de que a utilização do parlamento, a utilização de espaços conquistados na legalidade burguesa, devem ser usados por aqueles e aquelas que almejam mudar o mundo. Que lutam por construir uma sociedade mais justa, não desigual. De nossa parte, esta sociedade só pode ser uma sociedade onde tenha tido fim a exploração de um ser humano por outro, uma sociedade socialista.

Entretanto, uma tática para ajudar na conscientização, para tentar impulsionar a mobilização em determinado momento da luta pode ser um erro crasso em outro momento.

Sobre CPI e pizzas
Os parlamentares de esquerda devem, primeiramente, ter consciência de que estão atuando numa trincheira do inimigo. O parlamento, as câmaras de vereadores, as assembleias legislativas estaduais, o Congresso Nacional são instituições do regime da democracia burguesa. Não são vazias de conteúdo de classe: estão a serviço da manutenção da ordem burguesa, ou seja, da manutenção da exploração dos trabalhadores pela burguesia. A serviço da dominação dos corações e mentes dos trabalhadores e do povo pobre com a ideia de que o Estado é neutro, de que o Estado estaria e está a serviço de todos. Que todo mundo é igual, todo mundo é cidadão, todos têm os mesmos direitos e uma série de ideologias, de falsas consciências nesse mesmo sentido.

Assim, para a esquerda, o debate em torno das táticas parlamentares, o debate em torno da atuação nas instituições da democracia burguesa, não é um debate secundário. Basta olharmos a trajetória da maior organização com independência de classe construída na América Latina, o Partido dos Trabalhadores, para verificarmos a importância desse debate.

Entre as táticas passíveis de serem usadas por parlamentares de esquerda estão as CPIs. Elas podem e devem ser usadas, por exemplo, para demonstrar o caráter antidemocrático das instituições da democracia burguesa. Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), as CPIs da Delta, não foram acolhidas. Este é um exemplo para demonstrar aos trabalhadores e ao povo o caráter de classe do parlamento, como os deputados defendem os grandes empresários, entre outras questões de caráter educativo, para nossa classe, de como estas instituições são forjadas para defender os interesses de classe da burguesia.

CPIs podem e devem ser utilizadas para denunciar irregularidades. Fazer os trabalhadores e o povo tomarem consciência de que os governos de plantão são inimigos, chamar a atenção para alguma injustiça, alguma irregularidade, corrupção. A CPI das milícias, impulsionada pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), cumpriu esse papel progressivo. Trouxe à tona a existência de paramilitares, de milicianos, e suas estreitas ligações com Sérgio Cabral.

Em Belém (PA), o vereador Cleber Rabelo (PSTU) colheu assinaturas para uma CPI que investigasse desvio de dinheiro em obras de saneamento. A CPI não está instalada, mas serve para seguir colocando o debate da corrupção inerente ao sistema capitalista, para demonstrar como governos, secretários, membros das instituições do regime fazem, de fato, aquilo que definiu Marx: são um comitê dos negócios da burguesia. A CPI da Delta pode também ser utilizada neste mesmo sentido.

Mas atentemos: nenhuma dessas propostas de CPI deu-se em meio a um processo de mobilização onde a consciência sobre os temas fosse generalizada. A CPI das milícias enfrentou a consciência, é triste, mas é forçoso dizer, de parcela significativa da população que assumia a terrível ideia de que “bandido bom é bandido morto”. Não havia um processo de lutas e mobilização, generalizados, em torno do tema da Delta, ou da Gang dos Guardanapos, no caso do Rio, ou do desvio de dinheiro em obras de saneamento no caso de Belém.

No caso dos transportes no Rio de Janeiro não é assim. As lutas e mobilizações levantaram categoricamente a tarifa zero e a estatização dos serviços de transportes. A proposta de CPI dos transportes foi apresenta à Câmara de Vereadores em 19 de junho, dois dias após a gigantesca (na visão do momento) manifestação que sacudiu o Rio de janeiro em 17 de junho. É já famosa a foto aérea com a Avenida Rio Branco toda ocupada por manifestantes. Ou seja, a CPI “para apurar fatos determinados acerca da implantação, fiscalização e operação do serviço público de transporte coletivo de passageiros por ônibus – STCO-RJ”, foi protocolada em meio às manifestações por reduzir as tarifas, pelo passe livre, pela tarifa zero.

No mesmo dia, Eduardo Paes e vários prefeitos – entre eles Fernando Haddad (PT), prefeito de São Paulo – anunciaram a redução das tarifas. O movimento respondeu com o aumento dos atos afirmando: não é só por 20 centavos. Estima-se que ao menos 300 mil pessoas foram às ruas do Rio no dia 20 de junho, vários falam em 1 milhão.

É notório no Rio de Janeiro que os trabalhadores e o povo pautam a derrubada do governador Sergio Cabral. O processo de lutas e mobilizações levanta explicitamente: FORA CABRAL e PEZÃO.

Não descartemos a possibilidade de que o companheiro Eliomar (Vereador do PSOL), ao formalizar o pedido de CPI, trabalhasse com a possibilidade que esta medida estivesse a serviço de fortalecer a luta e as mobilizações. Entretanto o tempo e os fatos demonstraram que, objetivamente, esta iniciativa está atrás dos fatos e dos acontecimentos. Nesse aspecto centrar os esforços em torno da CPI colabora para o movimento voltar atrás em sua dinâmica. Na forma que está sendo colocada não ajuda, no momento, a luta pela estatização dos transportes e pela tarifa zero. Mas infelizmente pode ajudar a esvaziar a luta por dar um fim ao governo de Cabral e Pezão.

A luta por presidir a CPI fortalece o “Fora Cabral”?
No dia 8 de agosto, duas ocupações de prédios públicos ocorreram na cidade do Rio de Janeiro. Ocupou-se a Assembleia Legislativa e a Câmara de Vereadores. Qual programa, qual reivindicação cada uma dessas ações levantou?

A ocupação da Alerj, violentamente atacada pela Polícia Legislativa, propunha: “Fora Cabral!”. A ocupação da Câmara propôs, centralmente, que a presidência da CPI estivesse com o companheiro Eliomar. Mais do que isso: o primeiro manifesto apresentado pelos ocupantes da Câmara convocava “os professores das Redes Municipal e Estadual que acabaram de deflagrar greve, para vir construir a ocupação da Câmara”.

Os profissionais da Educação, ao invés de dedicarem seus esforços para esta convocação, felizmente estão construindo uma poderosa greve na rede municipal de ensino. Realizaram uma passeata no dia 14 de agosto com 15 mil profissionais de ensino. Para termos ideia do significado desse evento: há quase 20 anos não há um processo de lutas como esse na rede municipal. 15 mil significam em torno de 30% dos profissionais de educação da rede municipal em uma passeata, algo como 30% de toda a rede em uma manifestação. Além das reivindicações específicas da categoria a vigorosa marcha não deixou de gritar: “Fora Cabral!”, entremeando com o já popular “Cabral é ditador, ôôô.”

Os profissionais de educação da rede estadual estão empenhados em fortalecer a greve. A assembleia da rede estadual, no dia 14 de agosto, juntou mais de mil pessoas. Muitos profissionais não conseguiram sequer chegar ao salão da assembleia, ficando no saguão, ou mesmo na rua. Decretaram a continuidade da greve, aprovaram um calendário de lutas, reafirmaram a luta pelo “Fora Cabral”, propondo que o dia nacional de luta e mobilização, em 30 de agosto, seja um dia para derrubar o governador e seu vice.

Um debate necessário
Assim, o debate em torno de como se utiliza as instituições do regime da democracia burguesa, as instituições do Estado burguês, não é um debate menor. O PSTU chamou os parlamentares do PSOL na Câmara de Vereadores do Rio a defenderem as bandeiras das ruas elencando: suspensão dos contratos da Fetranspor; estatização dos transportes municipais; criação da empresa pública de transportes urbanos; passe livre já, rumo à tarifa zero.

No Facebook, apareceu o que seria uma resposta do vereador do PSOL Renato Cinco. Pelo caráter desrespeitoso da resposta esta pode não ter sido dada pelo companheiro Cinco, porém não há desmentido. “Que provocação barata! E mentirosa! Eu mesmo já apresentei PL para estatizar o sistema de ônibus e estabelecer a tarifa zero. Vamos melhorara redação e cair de cabeça na campanha pela aprovação”. Eis a íntegra do comentário feito na internet e não desmentido.

Vejamos, então, qual o resultado de uma busca no sítio internet da Câmara de Vereadores sobre o PL de iniciativa do vereador Renato Cinco. Foi protocolado, também, dois dias após o 17 de junho, o Projeto de Lei 328/2013, onde não se lê em lugar nenhum do texto estatização dos transportes, na ementa está escrito: “proíbe novas concessões de serviço de ônibus para entes privados”.

Nos quatro artigos do Projeto aparece:
“Art.1° Ficam proibidas novas concessões de ônibus na Cidade do Rio de Janeiro.
Art. 2º Terminadas as atuais concessões, o transporte público municipal será gratuito e administrado exclusivamente pelo Poder Público.
Art. 3º Revogam-se todas as disposições em contrário.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

Isso em meio ao processo de lutas e mobilização que estamos tratando. Cabe então pensarmos: trata-se de estatização? Seguramente não. Mesmo quando este projeto tenta proibir novas concessões de ônibus é bom lembrarmos que a concessão não é a única forma de privatização dos serviços público.

Há um elemento aparentemente progressivo na proposta “Terminadas as atuais concessões, o transporte público municipal será gratuito.” Mas verifiquemos se isto amarra a questão. Se a Câmara de Vereadores, pressionada por mobilizações, aprovasse o projeto apresentado teríamos imediatamente gratuidade? A resposta é: não.

As atuais concessões no Rio valem por 20 anos. Como foram renovadas recentemente, o companheiro está propondo que esperemos 18 anos para termos transporte gratuito. Nem mesmo a proposta de que o transporte público municipal seja “administrado exclusivamente pelo Poder Público”, significa o mesmo que estatal. Administrar não é sinônimo de ser dono. A burguesia, com seus exércitos de executivos, de administradores, sabe muito bem disso.

Assim, na forma que está redigido, até os vereadores ligados ao Barata, pressionados por mobilizações, poderiam aprovar o projeto apresentado. A gratuidade fica para daqui a dezoito anos, e não é estatização.

Mais que isso, qualquer vereador que quisesse prestar um valioso serviço à Máfia dos transportes poderia propor a imediata aprovação do projeto condicionando a imediata aplicação de seus pontos a que a Prefeitura administre o serviço prestado pelas empresas pagando por passageiro, ou por quilômetro rodado. O sonho do capitalismo sem riscos para os empresários de ônibus.

Infelizmente, quando lê-se a justificativa do projeto encontramos, como argumento para sua aprovação, que o alto preço das passagens prejudica toda a população. Um leitor incauto poderia até pensar que Eike Batista, Cavendish, ou mesmo o Cabral passaram a andar de ônibus. Mas não, o próprio texto trata de explicar que: “Os altos preços das passagens (…) aumentam o custo de empregar mão de obra, (…) e diminuindo a produtividade do trabalhador.”

É de espantar. Cabral está balançando no governo, se a crise desse governo se aprofundar, e queremos que se aprofunde, o terreno para a entrega dos anéis já está aplainado.

Por um lado, recua-se da luta pela estatização dos transportes por uma CPI dos transportes. Combinando, se a burguesia e seus representantes na Câmara, acharem necessário, com a aprovação para daqui a dezoito anos da gratuidade.

Queremos fraternalmente dizer aos companheiros parlamentares. Este é o momento de fortalecer as lutas em curso e suas pautas. É o momento de fortalecer a luta dos profissionais da educação. Impulsionar com tudo as lutas em curso é a forma de fortalecer a luta pelo “Fora Cabral”.

É o momento onde colocar-se as tribunas parlamentares a serviço das lutas é decisivo. Isto significa, no caso dos transportes, discutir com o movimento um projeto de estatização e controle dos trabalhadores e do povo sobre o serviço de ônibus.

Infelizmente, como aqui demonstrado, não é isso que tem sido feito. Mas pode ser corrigido, o curso pode ser revisto, depende da vontade consciente dos companheiros.