Trabalhadores, movimentos sociais e os mais diversos lutadores que se empenharam numa grande batalha nas últimas eleições para derrotar aqueles que defendem explicitamente o programa neoliberal para o país, tendo como grande representante a candidatura de Aécio Neves, se decepcionam cada vez mais com as primeiras medidas do governo. Certamente os mais honestos militantes que construíram a candidatura de Dilma Rousseff vêm continuamente se incomodando com as primeiras medidas do segundo mandato da presidenta.

A começar pela composição ministerial, que coloca em cada pasta os maiores inimigos de medidas a serviço da classe trabalhadora para os setores mais estratégico: na Agricultura uma representante dos latifundiários, na Fazenda, um banqueiros, e na Educação, um governador que perseguiu as greves dos professores em seu estado.

 Como se não bastasse começou uma onda de Medidas que atacam os direitos trabalhistas (Medidas Provisórias 664 e 665) e que cortam verbas pros serviços públicos (Decreto Federal 8.389/2015).  A educação sofreu o maior corte, foram R$ 7 bilhões, apesar do discurso da posse no qual a presidente falou que a prioridade é a Educação, com o slogam: “Pátria Educadora!”.

 E quem não está surpreso e indignado com a absurda declaração recente do governador da Bahia, Rui Costa, do PT, sobre a chacina de 13 jovens negros na periferia de Salvador pela polícia, em que ele compara os policiais que cometeram a ação com “artilheiros” na boca do gol.

Ainda assim, dirigentes de forças políticas da esquerda tentam se fundamentar na insustentável teoria do “projeto neodesenvolvimentista”, que estaria em disputaria com o “projeto neoliberal” pra defender a necessidade de apoiar esse governo, tentando acalmar os ânimos de quem, com toda a razão, está insatisfeito com o que tem feito o governo que diz ser dos trabalhadores.

Um país mais independente e soberano?
Algumas correntes chegam a afirmar que o governo Lula interrompeu a implementação do neoliberalismo no país. Estaríamos caminhando então para nos desenvolver enquanto um possível Potência Mundial, enfrentando os grandes países imperialistas. O curioso é como isto se aproxima tanto dos termos tão usados pela mídia burguesa, como  países “emergentes” ou “em desenvolvimento”. Uma dia chegaremos lá, conclui o senso comum a partir de tais formulações.

É verdade que o Brasil, assim como o conjunto dos BRIC’s, conseguiu se localizar na divisão internacional do trabalho de forma a sofrer menos os efeitos da crise econômica mundial que começou em 2008, o que se deve, dentre outras coisas, principalmente à valorização conjuntural das commodites que o país exporta. É verdade também que, ligado a isso, tivemos relativo crescimento econômico que permitiu um pequeno aumento do salário mínimo, o que casado com as políticas sociais compensatórias gerou uma sensação de “melhorias”, especialmente nos setores mais empobrecidos da população.

Mais isso nada tem a ver com ir na contramão do imperialismo, nem com neodesenvolvimentismo. Não houve mudanças estruturais que, de fato, incidissem na desigualdade social em nosso país, ou preparasse caminho para mudá-la. Os mais ricos continuaram detendo a maior parte das riquezas, na verdade a ampliaram. Um estudo sobre a renda dos empresários e trabalhadores do país mostra que aqueles, que não chegam a 1% da população ampliaram sua renda de 36% para 39,6% entre os anos 1995 (auge do plano real) e 2008. E que a Renda total da classe trabalhadora (que corresponde aos outros 99% da população) passou apenas de 49,2% para 49,9%. [1] Mais que isso, o capital internacional ampliou o controle de nossa economia. As transnacionais representam hoje no Brasil: 100% das montadoras; 92% do setor eletroeletrônico; 75% das autopeças; 74% das telecomunicações; 68% do setor farmacêutico; 60% da indústria digital; 57% do setor de bens de Capital; 55% do setor de bens de consumo; 50% na siderurgia e metalurgia; e 47% na petroquímica. No agronegócio, 30 empresas dominam o complexo agroindustrial e mais de 70% delas são multinacionais.[2]

E o neoliberalismo? Há, este seguiu muito bem, obrigado! Ou houve algum processo de reestatização daquilo que foi privatizado por FHC? Muito pelo contrário, as privatizações se aprofundaram, só que de outras formas, com outros nomes (as concessões passaram a se chamar permissões). Portos, aeroportos, rodovias, bancos e especialmente, a nossa maior riqueza, o petróleo seguiram sendo entregues ao capital internacional. Por a caso os leilões do maior campo do Pré-sal, o campo de libra, e de mais da metade das ações da Petrobrás fazem parte do tal programa neodesenvolvimentista?

Projeto Democrático e Popular ou “Socialismo Já!”?
Uma maneira extremamente simplista e distorcida de abordar os projetos ou programas em disputa para o país seria formulação, hoje defendida principalmente pela consulta popular, de que existiriam três projetos em disputa: o neoliberal, o neodesenvolvimentista e o democrático-popular. Além desses projetos “mais consequentes” existiria também a “turma do socialismo já!”. Este texto não tem o objetivo de aprofundar tais polêmicas, inclusive para não cair no mesmo erro de simplificar debates tão complexos, mas apenas mostrar o quão equivocada é essa forma de colocar a questão.

Segundo os que apresentam assim a polêmica, como o socialismo não está colocado na ordem do dia, a tarefa da classe trabalhadora hoje seria derrotar o programa da direita, o projeto neoliberal, por isso a esquerda teria que fortalecer o “Projeto neodesenvolvimentista”, encabeçado pelo PT ( mesmo às vezes chegando já a admitir que ele estaria em “crise”) isso porque essa seria a única forma de derrotar o neoliberalismo para acumular forças até que seja possível implementar o “Projeto democrático popular”; para, por sua vez, acumularmos mais forças para construir, em algum momento remoto da história, o socialismo. Aqueles que não defendem esse esquema seriam os que acreditam que seria possível, nesse momento, construir uma sociedade socialista.

O que não se deixa claro é que tanto o neodesenvolvimentismo quanto o Projeto Democrático Popular, apesar desses nomes muito bonitos, são na verdade a defesa de programas de colaboração de classes, ou para usar os termos mais atrativos, de “coalizão de forças”. O neodesenvolvimentismo, uma aliança com os setores da burguesia que teriam interesse no “desenvolvimento” nacional, o segundo, a construção de um Estado “mais democrático”, voltado aos interesses do povo, mesmo que não seja possível ainda romper com o capitalismo, ou seja, nos marcos ainda da sociedade burguesa.

O debate teórico, e evidentemente histórico e concreto, que precisa ser feito é se de fato é possível implementar tais projetos, se existem setores da burguesia brasileira que tem realmente interesse e potencial para romper com o imperialismo e desenvolver nosso capitalismo nacional, ou seja se é utópico ou real a possibilidade de realização do neodesenvolvimentismo. Além disso, se a realização do Programa Democrático Popular seria também uma possibilidade, ou se também não é mais uma ilusão sem consistência concreta. É necessário fazer com responsabilidade o debate se é possível construir tal projeto sem uma ruptura completa com a burguesia, se não é no mínimo contraditório como falar em “Estado popular” sem mudar o caráter de classe desse “Estado”. Segundo Lenin, no capitalismo: “Um Estado, seja ele qual for, não poderá ser livre nem popular.”[3]

Projetos de colaboração de classes ou Projeto independente dos trabalhadores?
A melhor forma de colocar a questão, no nosso entendimento, é a seguinte: como é possível “acumular forças” para o socialismo, qual é o programa e o projeto que temos que construir desde já para tornar possível a construção do socialismo, quando as condições para isso avançarem. Mais que isso: qual o projeto que contribuiu para o avanço dessas condições (mobilização e consciência da classe).

A história tem mostrado que as estratégias de “coalizão de forças” tem servido para o oposto disso.  Tomemos o exemplo da Reforma Agrária. Em que avançou nesses 12 anos de governos do PT? Os movimentos sociais do campo, têm se fortalecido ou arrefecido nesses governos? Porque ironicamente foram desapropriados menos imóveis rurais para a Reforma Agrária nos mandatos de Dilma e Lula que no período FHC. Não que FHC estivesse a favor da reforma agrária, lógico que não; mas o controle dos movimentos sociais do campo pelo governo tem ajudado os latifundiários a consolidar o seu projeto, a tal ponto de terem hoje o ministério da agricultura num governo que seria dos trabalhadores.

A única forma de acumular forças para revolução num governo como o de Lula e Dilma é conduzir a experiência da classe trabalhadora com tais governos à compreensão da falência de um projeto de colaboração de classes, porque os interesses dos trabalhadores, camponeses, movimentos populares e demais setores oprimidos são completamente inconciliáveis com o dos banqueiros, latifundiários, empresários e capitalistas nacionais e imperialistas. A única forma de acumular forças para de fato transformar o país é a retomada de um projeto independente da classe trabalhadora, e não há outro caminho para isso que não comece por romper com esse governo que tem servido para amortecer nossas lutas enquanto segue favorecendo as elites e aprofundando medidas neoliberais de forma disfarçada. 

Não existem atalhos para a construção do socialismo no Brasil ou em qualquer país do mundo. Isso não significa que defendemos a tomada do poder pela classe trabalhadora já, uma caricatura barata e nada inteligente do “Programa de Transição”, método histórico de atualização do marxismo no qual nos baseamos. Significa que enquanto se defende projetos de conciliação arma-se uma armadilha para a classe trabalhadora, canaliza-se toda a sua disposição, sua abnegação, seu esforço e sua luta para a construção de governos que entregam de mão beijada o “poder” aos mesmos senhores de antes. Como está fazendo Dilma.

A única forma de acumular forças para a transformação profunda da nossa realidade é resgatando, em cada greve, em cada mobilização, em cada luta, em cada eleição, a consciência do potencial e da força que os trabalhadores têm; a retomada da confiança em si mesma, em suas próprias forças; da consciência de que temos condições de construir um projeto de sociedade nosso, sem precisar dos patrões, sejam os estrangeiros, sejam os daqui. Só há um projeto de sociedade capaz de resolver nossos problemas, e precisamos construí-lo desde já na consciência dos trabalhadores e em suas lutas: o Projeto Socialista. 
 


[1] GODEIRO, Nazareno (organizador). Balanço Crítico dos Governos do PT. ILAESE, São Paulo: 2014. Pág. 16.

[2] Ibidem. Pág. 40.

[3] LENIN. O Estado e a Revolução. Editora Brasil Popular, São Paulo: 2010. Pág. 39.