Poderia ser a praça Taksim, em Istambul. Mas é o Largo da Batata, em São Paulo. Poderiam ser milhares de jovens espanhóis tomando as ruas de assalto. Mas são milhões de brasileiros, em sua maioria jovens, indo além das redes sociais e ocupando as ruas.

Nas últimas três semanas, a juventude brasileira parou dezenas de cidades país afora, como São Paulo e Rio de Janeiro, na luta contra o aumento das tarifas de transporte público. O movimento, iniciado por uma questão bastante precisa, acabou ganhando um caráter mais geral de questionamento aos inúmeros problemas que enfrentam cotidianamente os jovens brasileiros.

 

Que juventude é essa que está nas ruas?

 

Pesquisa do Datafolha do último dia 21 mostra que parte significativa dos atos (63%) é composta por pessoas com idades entre 21 e 35 anos. Outro dado interessante é que 78% têm ensino superior.  Portanto, irrompeu violentamente no cenário político brasileiro uma parcela da juventude que não vê mais com expectativas tão positivas o futuro imediato. Não poderia ser diferente: no Brasil dos 10 anos do governo do PT não é, ao contrário da propaganda oficial, um País mais justo. No caso da juventude, isso se mostra de modo bem claro.

Se compararmos com o período dos governos de Fernando Henrique Cardoso, de fato mais jovens entraram no mercado de trabalho e nas universidades. Isso, porém, é totalmente insuficiente para compreender a realidade das novas gerações.  Entre 1970 e 2000, caiu de 77% para 45,8% o número de empregos de até 1,5 salários mínimos no total de postos de trabalho. Desde 2000, porém, esse quadro se inverte e essa faixa salarial passa a representar 59% dos empregos. Muitos dos que ocupam os postos mais precarizados são jovens.

A precarização também marca o ingresso dos jovens nas universidades. A greve nacional nas universidades federais em 2012 mostrou que o balanço do REUNI, programa federal de expansão do ensino superior, é que o ingresso nas universidades não foi acompanhado da qualidade necessária para o pleno desenvolvimento dos estudantes. Sem falar que a maioria das matrículas no ensino superior se concentra no setor privado, no qual a educação é objetivamente tratada como mercadoria e não como direito e que no qual sabidamente a qualidade do ensino é mais baixa que no setor público.   

Neste quadro e com os olhos voltados para as eleições de 2014, o governo Dilma fez um grande esforço para aprovar no primeiro semestre deste ano o Estatuto da Juventude.  O texto, porém, está longe de garantir conquistas, pelo contrário: é um grande ataque aos jovens brasileiros. A meia-entrada em eventos culturais passa a se limitar a apenas 40% dos ingressos, correndo o risco de acabar… O direito à cultura e diversão dos jovens está sendo vendido pela UNE, que ganhou de presente do governo a volta do monopólio das suas carteirinhas. Além disso, é omisso em relação ao direito à locomoção nas grandes cidades, pauta claramente central para a juventude brasileira. Não há uma linha sequer sobre o passe-livre ou o aumento do número e da qualidade das linhas de transporte público.   

 

De todo modo, o momento é extraordinário: vivemos as maiores mobilizações da juventude brasileira desde o “Fora Collor”, em 1992. Essa disposição toda de luta veio para ficar. É preciso saber como continuar o movimento. Para responder a essa questão, comparar os dois momentos tem uma importância grande.  

 

A UNE de ontem e a UNE de hoje

 

A eleição direta para presidente de 1989, a primeira desde o Golpe civil-militar de 1964, foi vencida pelo até então desconhecido Fernando Collor de Mello (PRN-AL). Collor deu início à implementação da política econômica neoliberal que, continuada depois por Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) e em parte pelos governos petistas, desmontou a já frágil estrutura de serviços públicos do País.

O envolvimento do político alagoano em casos de corrupção levou a uma grande mobilização popular, baseada essencialmente nos setores mais jovens, que levou à sua queda. Naquele momento, a UNE cumpriu o papel fundamental de articular a luta nacionalmente e organizar o movimento estudantil para tomar as ruas e exigir o impeachment do presidente corrupto.

Hoje, quando é mais do que necessária a articulação nacional dos milhares de lutadores, a entidade não pode mais cumprir esse papel. Embora possam ser vistas bandeiras da UNE em alguns atos pelo País, há um limite muito claro para a luta dessa entidade: em muitas cidades ela apóia os mesmos prefeitos que aumentaram a passagem e reprimiram o movimento. É o caso de Haddad em São Paulo (PT) e de Eduardo Paes (PMDB) no Rio de Janeiro. Para levar a luta até o fim, é preciso que a UNE rompa com esses governos.  

A UNE não só não pode organizar os estudantes nacionalmente como trai cada luta que travamos. É muito comum ver nas manifestações cartazes dizendo: “Dilma, finge que eu sou a Copa e investe em mim. Assinado: Educação”. Pois é, essa Copa, tão justamente criticada pela juventude brasileira é alvo de uma campanha da UNE. Não para criticar os gastos exorbitantes e todas as injustiças causadas por ela. Mas sim chamando os estudantes brasileiros a serem voluntários! Sim, voluntários! Eike Batista, políticos corruptos, empreiteiras e FIFA ganhando rios de dinheiro com a Copa e a UNE nos convida a ser voluntários durante a realização desse evento! Só poderia estar brincando, mas o pior é que não está! Ainda bem que os jovens brasileiros não têm mais apenas uma entidade estudantil. Além dessa velha, temos a Anel, com quem podemos contar para nos organizar.

 

Construir o novo movimento estudantil!

 

Agora que muitos jovens saem das redes sociais e se encontram nas ruas das principais cidades brasileiras, é mais do que necessária a entrada do movimento estudantil organizado. Neste momento histórico, é importantíssimo fortalecer as organizações estudantis, como os centros acadêmicos, DCE’s e grêmios. É fundamental que elas organizem a luta em cada universidade e escola. Mas isso não basta. A luta é nacional e exige a coordenação dos lutadores em todo o Brasil. É por isso que a ANEL vem jogando todos os seus esforços nas mobilizações.   

Desde sua fundação em 2009, a entidade vem participando das principais lutas da juventude brasileira. Neste ano, esteve à frente do “Fora Feliciano”. Foi também parte fundamental da luta que derrubou o aumento da passagem em Porto Alegre em abril e meses depois em várias cidades do País. Não à toa, semanas antes da explosão que derrotou as máfias do transporte e governos, seu II Congresso votou uma resolução que definia a realização da campanha “Contra o aumento da passagem! Passe-livre já, Brasil!”.   

Além disso, a ANEL tem feito um chamado à unidade com os coletivos que compõe a Oposição de Esquerda da UNE e ao MPL para que a luta não pare por aqui. Passo imprescindível para isso é que nossa unidade, já existente nas lutas contra a passagem e no ato nacional contra a “cura gay” do dia 26 de junho, se fortaleça ainda mais.

Mais ainda: é fundamental a unidade com a classe trabalhadora. No próximo dia 27 de junho, a ANEL estará juntos à CSP-Conlutas  e outras entidades nos atos nacionais que pararão o Brasil com as pautas dos trabalhadores. Essa aliança é estratégica e não há melhor momento para fortalecê-la.

 

Pelo que lutamos?

 

Outro elemento importante para a continuidade da luta é a juventude apresentar um programa claro com suas reivindicações, a começar pelo direito ao transporte.

Estopim da onda de lutas que toma o País, a luta contra o aumento das passagens se insere na pauta mais ampla do direito à cidade. Nossa luta derrubou o aumento da tarifa nas principais cidades brasileiras, mas deve avançar para conseguir o passe-livre para estudantes e desempregados nacionalmente. Além disso, enquanto o transporte for uma fonte de lucro para verdadeiras máfias empresariais, não poderá ser de fato um direito de todos. Por isso, defendemos a estatização das empresas de transporte.

O direito à cidade tem também na Copa do Mundo um grande inimigo. As inúmeras remoções de comunidades inteiras são a cara da Copa dos ricos preparada pelo governo Dilma, em nome dos lucros da FIFA. Se ainda se tinha dúvidas sobre até onde podem ir os governos para defender os lucros dos empresários, a forte repressão aos movimentos sociais quando tentaram protestar próximo aos estádios da Copa das Confederações não deixa margem para dúvidas.

Não podemos esquecer também que  há poucos meses a juventude lutou muito contra a ida de Marco Feliciano (PSC) para a Presidência de Direitos Humanos da Câmara. Depois de muitos atos pelo “Fora Feliciano”, o deputado ainda teve a audácia de votar recentemente na CDH o projeto de “cura gay”, uma verdadeira provocação aos movimentos que lutam pelos direitos dos LGBT’s.

Outra coisa que indigna a juventude em nosso país é a corrupção que, junto ao pagamento da dívida pública, desvia recursos que poderiam ser usados na melhoria dos serviços públicos, como a educação.  Por isso, não podemos ser favoráveis à diminuição dos poderes de investigação do Ministério Público, proposta na PEC 37.

 

Passe-livre já, Brasil! Estatização das empresas de transporte coletivo, rumo à Tarifa Zero!

Menos recursos para a Copa, mais recursos para a saúde e educação! 10% do PIB para educação já, com royalties não dá!

Não à “cura gay”! Fora Feliciano!

Contra a PEC 37! Que os corruptos sejam presos e tenham que devolver a grana que roubaram para a população!

Abaixo à repressão e à criminalização dos movimentos sociais!