Maria Costa

Nas últimas semanas uma nova doença contagiosa tem sido notícia, a Febre Amarela. Só em Minas Gerais, até dia 20 de Janeiro 272 casos suspeitos tinham sido notificados e 71 pessoas morreram. Até ao momento foi possível confirmar a presença do vírus em 47 casos. A situação fez o governo de Minas decretar situação de emergência em pelo menos 152 cidades do município. Os lotes extra de vacinas enviados para minas já esgotaram em vários municípios.

“É um dos maiores surtos de febre amarela do Brasil. Os números são preocupantes e merecem uma atenção muito especial em termos de vacinação”, disse o médico Carlos Starling, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia.

No último ano várias epidemias têm feito parte do cotidiano dos trabalhadores brasileiros, Dengue, Zika. Gripe H1N1, Chikungunya, Sífilis e agora Febre Amarela. Ao contrário do que possamos pensar estes surtos de doenças contagiosas não são tão naturais assim. Surtos de doenças contagiosas sempre aconteceram na história da humanidade, no entanto a sua frequência e dimensão tem aumentado de forma nada natural. A precariedade das condições de vida nos grandes aglomerados habitacionais, muitas vezes com péssimas condições sanitárias, juntamente com a maior facilidade de deslocamentos entre cidades e países, leva a que os surtos de doenças contagiosas sejam não só mais frequentes mas tenham a capacidade de infectar grande quantidade de pessoas em áreas cada vez mais extensas em curtos espaços de tempo.

O que é e como se transmite e previne a Febre Amarela
A Febre Amarela é causada por um vírus do grupo Flavivirus, o mesmo grupo da Dengue e da Zika.  Pode ser transmitida por 3 tipos de mosquitos: nas regiões rurais e de mata é transmitido por mosquitos das espécies Haemagogus e Sabethes; nas regiões urbanas é transmitido pelo Aedes aegypti. Nas regiões rurais e de mata os macacos são hospedeiros naturais, ou seja, são os naturalmente infectados e só raramente os humanos contraem a doença. Os surtos da doença em humanos acontecem de forma cíclica, normalmente de 7 em 7 anos. O último surto foi em 2009.

O ciclo urbano pode acontecer se uma pessoa infectada for picada por um mosquito Aedes numa região urbana, nesse caso a infecção passa a ser transmitida de forma semelhante à Dengue. O último surto urbano aconteceu em 1941.

Muitas das pessoas infectadas não têm quaisquer sintomas. Nas restantes, os sintomas da febre amarela podem acontecer em duas fases. A primeira fase dura cerca de 3 dias e começa repentinamente com febre, calafrios, dor de cabeça, dores musculares, náuseas e vômitos. A maioria das pessoas infectadas passa só por esta fase e não apresenta mais nenhum problema ou consequência da infecção. No entanto, numa pequena minoria a doença evolui para uma segunda fase que começa 24h depois de terminarem os sintomas da primeira fase. Nesta segunda fase reaparece a febre juntamente com diarreia e vômitos com aspecto de borra de café. Para além disso surgem sintomas de mau funcionamento do fígado e rins como icterícia (pele com coloração amarela) e diminuição acentuada da produção de urina. Com a evolução do quadro surgem hemorragias espontâneas das gengivas, ouvidos, nariz, sangue nas fezes e em vômitos, juntamente com prostração intensa e rebaixamento da consciência. Deste estágio pode evoluir para coma e morte.

Considerando todas as pessoas infectadas a mortalidade da febre amarela é de 5-10%, no entanto para as que apresentam a segunda fase da doença a mortalidade pode chegar a 50% dos casos.

O tratamento para a febre amarela é apenas de suporte, ou seja, para tratar os sintomas que surgem no decorrer da doença (febre, vômitos, desidratação).

A forma mais eficaz de prevenir a febre amarela é administração da vacina, que segundo a Fiocruz deve ser aplicada em duas doses. O intervalo entre a primeira e a segunda dose varia com a idade. Crianças devem ser vacinadas entre os 6 e os 9 meses. A segunda dose deve ser feita aos 4 anos de idade. A partir dos 5 anos quem nunca foi vacinado deve tomar a primeira dose e fazer a segunda dose 10 anos depois. Depois de tomar duas doses da vacina nos intervalos ditos acima não é necessário se vacinar mais. A vacina é contraindicada para grávidas.

O novo surto de febre amarela e a mineração
Neste momento não há registro de contágio em regiões urbanas, todos os casos têm-se dado em regiões rurais ou em pessoas que viajaram a regiões rurais.

Normalmente a febre amarela está restrita à infecção de macacos nas florestas mas periodicamente aumentam o número de casos e a infecção sai o ambiente florestal e atinge os humanos. Os macacos não são a fonte da infecção, inclusive eles ajudam a monitorizar o grau de atividade da doença. Quando aumenta o número de mortes de macacos os cientistas podem prever que poderá haver um surto em humanos.

O que sim aumenta o risco de surtos de febre amarela em humanos são as suas próprias atividades, segundo a bióloga Marcia Chame da Fiocruz: “Isso tem relação com todas as atividades humanas que invadem a floresta. E no Brasil também temos um processo importante de perda de ambientes naturais”. Em Minas Gerais não só o desmatamento para atividades agrícolas como também a mineração, produzem impactos ambientais que facilitam o surgimento destes surtos.

A Febre Amarela e o rompimento da barragem da Samarco
O impacto que a mineração já tinha sobre a possibilidade de surtos, aumentou exponencialmente com o rompimento da barragem da Samarco. Grande parte das cidades mineiras afetadas pelo surto de Febre Amarela localizam-se na região do Rio Doce afetada pelo rompimento da barragem, tanto em Minas Gerais como no Espirito Santo. Segundo a bióloga Marcia Chame:

“Mudanças bruscas no ambiente provocam impacto na saúde dos animais, incluindo macacos. Com o estresse de desastres, com a falta de alimentos, eles se tornam mais suscetíveis a doenças, incluindo a febre amarela”.

“O Brasil está sentado em uma bomba relógio”
É a opinião de Eduardo Massad, epidemiologista da USP, ao portal da BBC-Brasil. Segundo o próprio, a probabilidade de ocorrer um grande surto urbano é muito grande. “Ainda é um desafio entender como a febre amarela não voltou para os centros urbanos, já que temos um grande número de pessoas que vão a áreas endêmicas para turismo ou a trabalho e voltam para cidades infestadas de Aedes aegypti.”, disse.

As consequências de tal acontecer seriam dramáticas: “A probabilidade de levar uma picada de Aedes aegypti no Rio durante o Carnaval é 99,9%. É inescapável. As pessoas ficaram preocupadas com Olimpíada, Copa do Mundo. Isso é besteira. Imagine se chega alguém com febre amarela no Rio no Carnaval.”

O tema da possibilidade de um surto urbano de febre amarela traz-nos de novo ao tema de todos os Verões, antes por conta da Dengue, depois por conta da Zika e da Chikungunya: o descontrole total que o Estado brasileiro tem sobre a propagação de um mosquito que a cada ano traz consigo uma nova epidemia. As causas e respostas ao problema do Aedes aegypti seriam suficientes para um outro texto. As respostas são no geral de longo prazo, como planejamento urbano, necessidade de construção de rede de distribuição e escoamento de água e saneamento, fim de lixões e uma enorme lista de providencias. No entanto o risco da febre amarela em regiões urbanas é muito mais fácil e rápido de resolver pois existe vacina.

É possível e fácil prevenir um grande surto urbano de Febre Amarela
Bastava que a distribuição da vacina da Febre Amarela fosse universalizada no país! Neste momento só está disponível nos estados do interior, onde a febre amarela existe “naturalmente” nas populações de macacos. Oito estados brasileiros, onde se encontram grandes concentrações urbanas se quer têm acesso à vacina: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espirito Santo e Rio de Janeiro.

Para piorar nos estados em que a vacina está disponível a cobertura vacinal é baixa, em média de 62,79% das pessoas vacinadas, sendo que em Minas Gerais, foco do surto atual, e São Paulo a cobertura até 2015 era só de cerca de 50% da população. Vale lembrar que ambos os estados pela sua proximidade e grandes áreas urbanas podem ser focos de grandes surtos de febre amarela nas cidades.

Mais uma vez os interesses do capital privado acima do bem público
A vacina da Febre Amarela é produzida pela Fiocruz, uma entidade pública, pelo que inclusive os custos de produção deverão ser mais reduzidos que a compra de vacinas a laboratórios privados. Como explicar então que vacinas como a da Catapora, seja de aplicação para todas as crianças com cerca de 1 ano de idade, ou do HPV que neste momento também é de aplicação para todos os jovens entre 12 e 15 anos? Atenção, consideramos fundamental que estas vacinas estejam no calendário nacional de vacinação do SUS. A contradição é que o governo gasta bilhões comprando estas vacinas a laboratórios privados e não investe na vacinação universal contra a febre amarela que pode ser produzida em laboratórios estatais!

Que fique bem claro, se a grande maioria da população brasileira estivesse vacinada a Febre Amarela seria de uma vez por todas um problema do passado!

Um programa da classe trabalhadora para responder ao surto de Febre Amarela

  1. É necessária a distribuição imediata de vacinas às populações em risco, ou seja, para os estados de Minas Gerais, Espirito Santo, DF e São Paulo
  2. É urgente a incorporação da vacina da Febre Amarela no calendário vacinal do SUS para todos os estados do Brasil, juntamente com uma campanha que permita que mais de 90% da população seja vacinada;
  3. As grandes mineradoras e empresas do agronegócio devem disponibilizar fundos para prevenção e combate à febre amarela dado que os impactos causados pelas suas atividades levam a um aumento da susceptibilidade dos macacos a esta doença e logo a uma maior probabilidade de surtos;
  4. Colocar em prática, desde já, um plano consequente para o combate ao Aedes aegypti, com medidas com efeito a curto e longo prazo, que passam por contratação massiva de agentes de saúde para a eliminação de focos de reprodução do mosquito, limpeza de descampados especialmente nas áreas urbanas, eliminar todos os lixões a céu aberto, construção de rede de esgoto e saneamento básico em todas as cidades e que sirvam a toda a população;
  5. Tal só será possível se projetos como a PEC 241 que congela os investimentos nos serviços públicos, forem imediatamente revertidos. É necessária uma Greve Geral para barrar este e outros ataques do governo;
  6. A prioridade de financiamento dos governos não podem ser as empresas privadas de saúde e o pagamento da dívida pública em detrimento do financiamento do SUS. É necessário a estatização das empresas privadas de saúde e dos seus hospitais e clínicas, assim como o fim do pagamento da dívida pública e investimento de 10% do PIB na saúde pública;
  7. É urgente a produção estatal de todas as vacinas presentes atualmente no calendário vacinal do SUS. A pesquisa e a indústria farmacêuticas não podem estar subordinadas ao lucro, devem estar a serviço do bem-estar e da vida da classe trabalhadora. Por isso, todas as empresas farmacêuticas devem ser estatizadas e colocadas sob controle da classe trabalhadora de conjunto. As patentes devem ser abolidas e a investigação científica deve ser feita por universidades e hospitais públicos e controlada pela classe trabalhadora.
  8. A defesa da saúde pública passa pelo fortalecimento do SUS, como garantia de uma saúde pública universal, gratuita, estatal, de qualidade e sob o controle da classe trabalhadora de modo a que seja capaz de atender às múltiplas demandas de toda a população;
  9. Para garantir que essas medidas sejam de fato aplicadas, é necessário lutar por um governo socialista dos trabalhadores, sem patrões, apoiado em conselhos populares.