O Estado é produto e manifestação do antagonismo inconciliável das classes sociais. Porém, aparenta estar acima da sociedade, apresentando-se como o árbitro onisciente e onipresente dos conflitos sociais, e garantidor do interesse geral. Para Friedrich Engels, em A origem da família, da propriedade privada e do Estado, o Estado “é antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar” (2010, p. 213).

O revolucionário russo, Vladimir Lênin recorreu às elaborações de Engels para escrever O Estado e a Revolução, em 1917. Às portas da revolução de outubro, Lenin polemizava com os oportunistas que capitulavam às suas respectivas burguesias nacionais e direções traidoras, justificando teoricamente suas traições através de análises deformadas sobre a natureza e o papel do Estado para o marxismo. Nas palavras de Lênin:

Essa democracia pequeno-burguesa é incapaz de compreender que o Estado seja o órgão de dominação de uma determinada classe que não pode conciliar-se com a sua antípoda (a classe adversa). A sua noção do Estado é uma das provas mais manifestas de que os nossos socialistas-revolucionários e os nossos mencheviques não são socialistas, como nós, os bolcheviques, sempre o demonstramos, mas democratas pequeno-burgueses de fraseologia aproximadamente socialista (2010, p. 28, grifo nosso).

Nesta mesma obra, Lênin polemizava vivamente com os anarquistas cuja herança teórica postulava que a tarefa fundamental do proletariado era a destruição imediata do Estado, como símbolo máximo do poder. Retomando as polêmicas de Marx com os anarquistas, Lênin esclarecia didaticamente que a supressão do Estado deveria coincidir com a supressão das classes sociais. A tomada e o controle do Estado pelo proletariado revolucionário era fundamental para tamanha tarefa.

O proletariado precisa do Estado só por um certo tempo. Sobre a questão da supressão do Estado, como objetivo, não nos separamos absolutamente dos anarquistas. Nós sustentamos que, para atingir esse objetivo, é indispensável utilizar provisoriamente, contra os exploradores, os instrumentos, os meios e os processos de poder político, da mesma forma que, para suprimir as classes, é indispensável a ditadura provisória da classe oprimida. Marx escolhe a forma mais incisiva e clara de colocar a questão contra os anarquistas: repelindo o “jugo dos capitalistas”, devem os operários “depor as armas”, ou, ao contrário, delas fazer uso contra os capitalistas, a fim de quebrar-lhes a resistência? (2010, p. 81, grifo nosso).

Os adversários de toda autoridade exigiam que os trabalhadores revolucionários abdicassem de tomarem e organizarem o Estado antes mesmo que houvessem as condições sociais para o seu desaparecimento. Lênin sabia que se tal posição, porventura, vencesse entre os trabalhadores revolucionários, a revolução na Rússia fracassaria afogada num banho de sangue perpetrado pela minoria sobre a maioria da população.

Esses senhores já terão visto alguma revolução? Uma revolução é, certamente, a coisa mais autoritária que há, um ato pelo qual uma parte da população impõe a sua vontade à outra, com auxílio dos fuzis, das baionetas e dos canhões, meios por excelência autoritários; e o partido que triunfou tem de manter a sua autoridade pelo temor que as suas armas inspiram aos reacionários. Se a Comuna de Paris não se tivesse utilizado, contra a burguesia, da autoridade do povo em armas, teria ela podido viver mais de um dia? Não poderemos, ao contrário, censurá-la por não ter recorrido suficientemente a essa autoridade? (LENIN, 2010, p. 82, grifo nosso).

Lênin, definia o Estado como “a organização especial de uma força, da força destinada a subjugar determinada classe” (2010, p. 45). Novamente, em suas palavras:

O poder centralizado do Estado, característico da sociedade burguesa, nasceu na época da queda do absolutismo. As duas instituições mais típicas dessa máquina governamental são a burocracia e o exército permanente. Marx e Engels falam várias vezes, em suas obras, das inúmeras ligações dessas instituições com a burguesia. A experiência, com um vigor e um relevo surpreendentes, faz com que cada trabalhador conheça essa ligação. A classe operária aprende a conhecê-la à sua própria custa (LENIN, 2010, p. 49).

A centralização do poder foi fundamental para que os monarcas absolutistas conseguissem vencer a resistência dos senhores feudais. Declarar guerra, cunhar moedas, julgar, punir, absolver, ingerir sobre a religião, foram algumas das principais atribuições centralizadas nas mãos dos monarcas.

O Absolutismo foi a secularização do mundo através da instituição do Estado. Mas uma secularização que, não só, foi incapaz de banir os resquícios místicos-teológicos do Estado, como utilizou sistematicamente de alguns desses atributos. À magnitude de um poder centralizado, outrora disperso, deveria corresponder um conjunto de crenças e valores que refletissem tal poder, justificando, legitimando e perpetuando-o.

A tomada do Estado, a partir das revoluções burguesas, também foi incapaz de banir os resquícios místicos-teológicos (ideológicos) do Estado, embora, especialmente a Revolução Francesa, secularizasse o Estado. Em verdade, a construção ideológica em torno do Estado burguês valeu-se da permanência desses resquícios onde coube ao Estado desempenhar o papel de ente (quase divino) onisciente e onipresente, capaz de arbitrar inclusive sobre o que era público e o que era privado. O Estado está no Ministérios, no Tribunal, nas Prisões, na Polícia e nas Universidades ao mesmo tempo, mas sem estar fisicamente em nenhum desses lugares.

O desenvolvimento da consciência de classe do proletariado se choca, necessariamente, com o conjunto de ideologias que, ao fim e ao cabo, tentam impedir o desenvolvimento dos processos revolucionários. Cabe, portanto, à legalidade o papel mais destacado na manutenção técnica e ideológica da dominação da burguesia sobre os trabalhadores.

Consequentemente, as definições hegemônicas acerca da legalidade exaltam sempre sua suposta impessoalidade e capacidade regulatória. Vejamos:

A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido […]

A legalidade supõe por conseguinte o livre e desembaraçado mecanismo das instituições e dos atos da autoridade […] O poder legal representa por consequência o poder em harmonia com os princípios jurídicos, que servem de esteio à ordem estatal. O conceito de legalidade se situa assim num domínio exclusivamente forma, técnico e jurídico (BONAVIDES, 1997, p. 111-112).

Nas sociedades antigas que possuíam Estado sempre houve orientações que diziam sobre o que era aceitável ou inaceitável, tolerável ou intolerável. E o conjunto dessas orientações vinculava-se direta e indiretamente ao Estado, “este poder nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais” (ENGELS, 2010, p. 213). Para o jurista Alysson Mascaro, a legalidade só se torna plena no capitalismo, na forma de uma instância técnica supostamente apartada e aparentemente alheia às reais contradições sociais. Assim, a legalidade só encontra sua razão de ser na história cindida da exploração de uma classe sobre a outra que se manifesta através do Estado burguês (2003).

Nunca é demais lembrar que as primeiras linhas da história do capitalismo foram escritas em inúmeras páginas de violência, pilhagem, sequestro, escravidão e segregação, mas a sua consolidação foi altamente dependente da legalidade como mediação e chanceladora das formas de reprodução econômica do capital fundadas na exploração assalariada. Segundo Mascaro, “ao chegar neste ponto [o capitalismo], busca apagar todo seu passado de violência e toda a trajetória não-jurídica do acúmulo de capitais para parecer promotora da ordem justa e legal” (2003, p. 35).

Quando o Iluminismo, Rousseau, Kant e outros mais derrubaram na filosofia o absolutismo, chegaram ao cume teórico de um movimento que a prática já havia conquistado. A vitória das leis sobre o arbítrio dos homens acompanhou a vitória do capitalismo sobre as formas econômicas que lhe eram anteriores. A liberdade dentro das leis, princípio da legalidade, era a irmã da liberdade no mercado, no qual se compra ou se vende a partir da própria vontade. A igualdade formal, que serviu de lema das revoluções liberais, é o espelho de um mundo feito um grande mercado, no qual todos se igualam na condição de compradores e de vendedores, no qual até a exploração deixa de ser um mando direto de um senhor sobre um escravo e passa a ser a igual vontade jurídica de patrão e proletário. A vitória da legalidade é a vitória de um mundo feito um grande mercado (2003, p. 22-23).

Para os marxistas revolucionários, assim como a igualdade jurídica não é a igualdade real, a legalidade não pode ser confundida com a justiça. A legalidade no capitalismo é técnica à serviço do Estado burguês para criar estabilidade e previsibilidade jurídica para a exploração do trabalho assalariado, para a manutenção da propriedade privada e para a reprodução econômica capitalista. É, ao mesmo tempo, poderoso instrumento ideológico que funda entre os humanos as fronteiras entre o que é legal e o que é ilegal.

No passado, a Igreja dizia o que era certo e o que era errado com base em seus interesses supostamente sagrados, com a ascensão da burguesia e a consolidação dos Estados burgueses, a legalidade tornou-se um instrumento ideológico que diz aos trabalhadores o que é certo e o que é errado, o que é lícito, e o que é ilícito, o que é legal e o que é ilegal, exigindo dos trabalhadores completa obediência, mas ocultando que os referenciais da legalidade baseiam-se na defesa dos direitos e interesses privados da burguesia!

O direito burguês exalta a igualdade e a impessoalidade das leis, em oposição à pessoalidade e à discriminação das sociedades pré-capitalistas. Entretanto, a suposta igualdade e a impessoalidade apenas encobrem a desigualdade real e a pessoalidade do exercício de poder de cada burguês e de cada agente da burguesia na sociedade.

O Deus de Agostinho e o Javé dos judeus reconheciam e anunciavam que de uns faziam escravos e de outros senhores. O Deus moderno, o direito, anunciou a humanidade de todos para em seu trono oferecer assento só para alguns. O Deus do direito antigo é pessoal e declara sua aliança e seus favoritos; o Deus da técnica jurídica moderna é impessoal na forma, mas é profundamente pessoal nas benesses da realidade social. É apenas diferente porque é hipócrita na aparência de justiça que carrega; o antigo é injusto na aparência e na realidade (MASCARO, 2003, p. 52).

Quando o trabalhador diz que “a justiça só beneficia os ricos” expressa, de forma simples e poderosa, a verdade social do direito no capitalismo. A universalidade da legalidade é, portanto, uma mentira e não há situações onde isto fique mais nítido do que durante as crises capitalistas no período imperialista.

Recordemos que, para Lênin, o imperialismo é uma etapa superior do capitalismo, mas não por ultrapassá-lo, e sim, por desenvolvê-lo às últimas consequências. Donde é característica a transformação da concorrência em monopólio:

O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das características fundamentais do capitalismo em geral. Mas o capitalismo só se transformou em imperialismo capitalista quando chegou a um determinado grau, muito elevado, do seu desenvolvimento, quando algumas das características fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na sua antítese, quando ganharam corpo e se manifestaram em toda a linha os traços da época de transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada. O que há de fundamental neste processo- do ponto de vista econômico, é a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas […] uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos (LENIN, 2012, p. 42).

Nessa etapa superior do capitalismo há uma contradição latente entre a formação de monopólios (cartéis, trustes horizontais, verticais etc.) e a impossibilidade da livre-concorrência.  A repreensão que Lênin fez às esperanças do renegado Karl Kautsky, quando este vislumbrava uma “paz entre os povos” fomentada pelos cartéis internacionalizados, era sustentada por uma análise materialista histórica que via na partilha de territórios a transformação em ato daquilo que se apontava nas origens do capitalismo. Uma opinião que, para Lênin, era um absurdo do ponto de vista teórico e um sofisma do ponto de vista prático.

Os cartéis internacionais mostram até que ponto cresceram os monopólios, e quais são os objetivos da luta que se desenrola entre os grupos capitalistas. Esta última circunstância é a mais importante, só ela nos esclarece sobre o sentido histórico-econômico dos acontecimentos, pois a forma de luta pode mudar, e muda constantemente, de acordo com diversas causas, relativamente particulares e temporais, enquanto a essência da luta, o seu conteúdo de classe, não pode mudar enquanto subsistirem as classes […] Os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros; e repartem-no “segundo o capital”, “segundo a força”; qualquer outro processo de partilha é impossível no sistema da produção mercantil e no capitalismo. A força varia, por sua vez, de acordo com o desenvolvimento econômico e político; para compreender o que está a acontecer é necessário saber que problemas são solucionados pelas mudanças da força, mas saber se essas mudanças são “puramente” econômicas ou extra-econômicas (por exemplo, militares), é secundário e em nada pode fazer variar a concepção fundamental sobre a época atual do capitalismo. Substituir o conteúdo da luta e das transações entre os grupos capitalistas pela forma desta luta e destas transações (hoje pacífica, amanhã não pacífica, depois de amanhã outra vez não pacífica) significa descer ao papel de sofista (2012, p. 35, grifo nosso).

A partilha do mundo pelos capitalistas dá-se segundo o capital e segundo a força. Há uma variação na intensidade dessas formas, de acordo com as condições sociais existentes, mas não há a menor possibilidade de haver partilha capitalista que prescinda desses dois vértices, sempre violentos. A dívida pública é um dos principais instrumentos que representam a partilha do mundo entre os capitalistas pela violência do capital. É, também, fonte de fraude, roubo e maquinações de todo tipo.

A situação da Grécia é exemplar: a dívida pública representa, atualmente, cerca de 177% do PIB grego e estrangula sua economia. A Comissão da Verdade da Dívida Pública grega, em relatórios de junho e agosto de 2015, foi categórica: “a dívida é odiosa, ilegal e ilegítima e completamente insustentável” na medida em que “viola os próprios estatutos do FMI, e que as suas condições violaram a Constituição grega, a lei internacional e os tratados de que a Grécia é signatária”.

Contudo, frente ao desejo de anulação de uma dívida criminosa, a burguesia nacional e internacional impõe o respeito à legalidade e o cumprimento dos pagamentos. O Syriza, eleito para romper com a troika e anular a dívida grega, traiu os trabalhadores e hoje “honra” os pagamentos desta dívida às custas do sangue e suor do povo grego.

Em suma, o imperialismo é o reinado da expropriação, da fraude, da pilhagem, da espionagem (industrial ou militar) e das guerras! Por isso, o imperialismo é a etapa do esgarçamento e do ultraje contínuo da legalidade como ordenadora das relações sociais que a própria burguesia, em nível mundial, criou e que pede obediência. Para os revolucionários, a legalidade burguesa não é, definitivamente, uma diretriz.

Os revolucionários e a legalidade burguesa: os desafios na realidade brasileira
Junho de 2013 tornou-se um ponto de inflexão nas lutas no Brasil. Pela primeira vez o movimento de massas não só, não fora dirigido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), mas se chocou com seu governo. De lá para cá, uma nova situação política se abriu com um aumento da polarização social no país, com o crescimento das lutas e um aumento do desgaste do regime político.

Nada mais falso do que o argumento daqueles que dizem que o Brasil vive uma onda de direita, ou pior, uma onda fascista. A prova disso é o aumento no número de greves no país. Houve um crescimento no número de greves no país registrado pelo DIEESE entre 2010 e 2012.

Em 2010 houve 446, no ano seguinte houve 554, e em 2012 houve o pico de 873 greves por todo o país! No ano de 2012 as greves no funcionalismo público representaram mais de 46% do total no país, foram 381 greves que totalizaram 65.393 horas paradas. Mas 2013 marcou, realmente, uma inflexão nas lutas no país. Segundo o recente relatório do DIEESE houve 2.050 greves no Brasil, o que significa um crescimento de 134% em relação a 2012, que já foi um ano com muita greve!

De fato, existe uma crise política no Brasil. O Governo do PT enfrenta uma grave crise política, uma crise – como diria o grande Cartola – cavada com os próprios pés.

No final de junho do ano passado, Lula declarou que Dilma estava no volume morto e que o PT estava abaixo do volume morto, e ele (Lula) também estava no volume morto. Essa declaração foi dada ao jornal O Globo, logo após o resultado de uma pesquisa de opinião no ABC paulista revelar que o governo tinha apenas 7% de aprovação e Dilma tinha 75% de rejeição entre os eleitores do ABC, justamente no seu berço histórico! Recentemente, pesquisa do Datafolha revelou que 68% da população é a favor do impeachment de Dilma Rousseff, ao mesmo tempo, apenas 16% acreditam que um eventual governo do vice-presidente Michel Temer seria ótimo ou bom.

Essas são demonstrações de que a classe trabalhadora rompeu, de forma massiva, com o PT. Este é o fato mais progressivo desses últimos anos, basicamente por dois motivos: pois aumenta a força da classe trabalhadora para lutar contra os inúmeros ataques aos seus direitos, à medida que ela se desembaraça desse governo traidor; porque abre para os socialistas um período de grandes possibilidades.

Farejando a debilidade do PT ao perder a sua base social – exatamente, por atacar a classe trabalhadora – a oposição de direita lançou uma ofensiva para tentar tirar Dilma da presidência e desgastar ao máximo a imagem de Lula perante a população.

O processo de impeachment da Dilma retorna à cena política e a convocação para grandes atos novamente definem a agenda do país. De um lado, grandes manifestações de oposição ao Governo do PT exigem o fim da corrupção, a saída de Dilma Rousseff e a prisão de Lula. De outro lado, manifestações convocadas pelo próprio PT, pela CUT e aliados têm como tônica a defesa do governo sob o argumento difuso de defesa da democracia, contra o golpe.

Vale lembrar, que dois dias antes das manifestações convocadas para o dia 18 de março pelo PT, Dilma sancionou a Lei Antiterrorrismo, que tem como alvo os movimentos sociais e as organizações políticas da classe trabalhadora.

O impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer ou Eduardo Cunha, ambos do PMDB, significaria apenas a troca de “seis por meia dúzia”. Nesse cenário, sem uma Greve Geral capaz de unificar os trabalhadores e sem organismos da classe que representem uma relação de duplo poder, é preciso exigir a saída de todos os políticos que estão no poder e a imediata convocação de novas eleições gerais.

No entanto, nesse momento, muitas organizações que se reivindicam de “esquerda” capitulam mais uma vez ao governo burguês do PT. Ao invés de dedicarem todos os seus esforços para organizarem os trabalhadores que estão indo à luta, organizações como o PSOL, MTST e mais recentemente o PCB, se dedicam à construção dos atos em defesa do governo e tentam frear as lutas no país. Para isso, chegam a advogar em defesa do “Estado Democrático de Direito” e da legalidade, como é o caso do PSOL. A declaração do deputado estadual do PSOL, Marcelo Freixo é expressão cristalina do posicionamento reformista:

Acho que a grande defesa nesse momento que a gente tem que fazer no Brasil é a defesa do Estado Democrático de Direito, é a defesa das regras democráticas […] Não defendo o impeachment nem do Governo Pezão que é um governo trágico no Rio de Janeiro e que os movimentos sociais que estão nas ruas como o movimentos dos educadores que estão junto com eles [sic], esses movimentos nas ruas pedem a saída do Pezão eles têm legitimidade pra fazer isso. A rua pode pedir isso. As instituições fazerem isso tem uma diferença muito grande e é esse o equilíbrio fundamental para o Estado Democrático de Direito. Eu não peço o impeachment do Pezão, nem peço o impeachment da Dilma isso não significa porque faço isso porque um governo é de esquerda ou não é de esquerda, é de direita ou não é de direita é porque tenho profundo respeito pelas regras democráticas (2016).

Infelizmente, não são poucos os ativistas de esquerda que se detêm no respeito às “regras democráticas” e à legalidade, saindo em defesa do Estado Democrático de Direito. Que fique claro: defender a democracia e coibir as lutas dos trabalhadores e da juventude justamente quando eles rompem com o PT e querem a saída de todos os políticos parasitas, é um crime político, pois contribui para a derrota dos trabalhadores e a possibilidade de uma revolução proletária no país.

Por um acaso esses senhores oportunistas que hoje se postulam como os guardiões do Estado Democrático de Direito e da legalidade sabem realmente o que significa uma revolução? Uma revolução não é só, como dissera Lênin, o ato mais autoritário que existe. Uma revolução também é o ato mais ilegal que existe! É quando uma classe questiona a validade do regime político de dominação, vê a dominação burguesa em toda a sua nudez e cospe nas leis e na moral da velha ordem indo à luta! A velha legalidade, caduca, já não pode conter o ímpeto das massas cujas barrigas e aspirações se recusam a obedecer o calendário eleitoral.

Nós, do PSTU, não temos ilusões de que a realização de novas eleições gerais nos possibilitaria a eleição de dezenas de deputados federais, senadores ou até mesmo um presidente. Quem tem essa ambição são as organizações reformistas! E é exatamente por saberem que dificilmente elegeriam mais parlamentares e seu candidato à presidência, é que essas organizações não exigem junto aos trabalhadores novas eleições gerais, negligenciando a necessidade popular.

Nós, revolucionários, apostamos na força das mobilizações. Acreditamos que um futuro governo, surgido de eleições gerais fora do calendário eleitoral patrocinado pelas grandes empresas, seria mais fraco e aprofundaria a crise do regime. Em consequência, o avanço na organização da classe trabalhadora advindo desta importante vitória daria mais condições para que os trabalhadores avançassem na luta em defesa de suas necessidades imediatas e históricas.

É preciso dizer àqueles companheiros que acreditam que há um golpe reacionário em curso no país que não se trata de desconsiderar a diferença entre um regime democrático burguês e um regime autocrático burguês. Trata-se, apenas, de colocar as coisas nos seus devidos lugares. É verdade que frações da burguesia brasileira nutrem um ódio histórico pelo PT e que esse ódio só foi atenuado quando o PT era eficiente em aplicar os planos para a burguesia e conter as lutas dos trabalhadores.

Hoje, com a crise econômica que impôs uma queda no PIB brasileiro na ordem de 3% em 2015, a pressão burguesa para que o governo preserve seus lucros e ataque os trabalhadores fragiliza o Governo Dilma cada vez mais, tornando-o refém de setores da burguesia à medida que a insatisfação popular só cresce.

Em síntese, não há um golpe reacionário em curso no país, mas isso não significa que essa possibilidade está descartada no futuro. E o que definirá, como sempre, será o rumo tomado pela luta de classes no país. Os governos de conciliação de classe como o PT servem, não só para atacar e conter os trabalhadores, mas também para desmoralizá-los. Por isso, as organizações de esquerda que permanecerem atrelados ao PT terão o mesmo destino que ele: a lata de lixo da história.

O PT está ruindo e a ida de Lula para o Ministério da Casa Civil foi interpretado pelos trabalhadores como uma confissão de culpa. Os atos do dia 18 de março deste ano, bem como os do dia 24 e 31 de março, foram atos em defesa de Dilma, de Lula e do PT. Quem foi a esses atos marchou, querendo ou não, ao lado da latifundiária Katia Abreu, do Pezão (PMDB), do Eduardo Paes (PMDB) e cia. e sob a bandeira do “Fica Dilma”.

Já aos setores reformistas que, apoiados na pequena burguesia e nos setores médios, preferem a segurança da legalidade burguesa à incerteza da luta de classes, é preciso ser categórico: não justifiquem sua adesão à defesa do PT dizendo que defendem a democracia. Assumam apenas que estão dominados pelo medo e que o pavor da incerteza política de vocês só não é maior do que a desconfiança que possuem nos trabalhadores, nos operários e na juventude de luta que está fazendo greve, ocupando fábricas e escolas.

A democracia não pode ser o horizonte dos revolucionários e a legalidade burguesa não pode ser a nossa bússola. A defesa do regime político apodrecido e de suas ordens e normas é papel dos espadachins da ordem social de cada época, como diria Marx, e não dos revolucionários. 

Wagner é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
 

Referências
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

FIX, Mariana. Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil.  Campinas: UNICAMP, 2011. Tese de Doutorado em Economia.

FREIXO, Marcelo. Disponível em: <<https://www.facebook.com/MarceloFreixoPsol/videos/vb.128416167198648/1132568560116732/?type=2HYPERLINK “https://www.facebook.com/MarceloFreixoPsol/videos/vb.128416167198648/1132568560116732/?type=2&theater”&HYPERLINK “https://www.facebook.com/MarceloFreixoPsol/videos/vb.128416167198648/1132568560116732/?type=2&theater”theater>>. Acesso em: 23 mar 2016.

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MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.

MASCARO, Alysson Leandro. Crítica da Legalidade e do Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

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