O fundamentalismo islâmico é um fenômeno mundial com peso de massa em países onde o imperialismo é hoje mais agressivo, e é parte essencial do processo de reorganização operária no Oriente Médio, na Ásia e em Magreb. As particularidades dos países árabes ou muçulmanos não pode esconder o fato de que a essência do debate é a mesma em todo o mundo: a posição dos revolucionários diante do imperialismo.

Seu caráter
As correntes islâmicas existem desde o início do século XX, mas, desde 1980, depois da revolução iraniana, se converteram em um fenômeno crescente no mundo muçulmano. São as correntes que se enfrentam abertamente com o imperialismo as que ganharam mais simpatias e prestígio no movimento de massas dos países muçulmanos.

Depois da bancarrota do stalinismo e do antigo nacionalismo burguês pan-arabista dos anos 1960-70, as organizações islâmicas ocuparam seu espaço na resistência ao imperialismo e aos governos pró-imperialistas.

Quais são suas principais características?
a) São direções burguesas e pequeno-burguesas que se apoiam em diferentes setores econômicos e alas da hierarquia muçulmana (xiítas ou sunitas) que e tomam o Islã como referente coletivo perante a recolonização imperialista. Apóiam-se no movimento de massas, em suas mobilizações e protestos, buscando seu espaço diante exclusão que sofrem nas colônias e semicolônias pelo processo mundial de centralização de capitais e o saque imperialista. São setores burgueses que enfrentam o imperialismo já que os excluem como capitalistas.

b) Propõem “Estados islâmicos”: regimes bonapartistas e ditaduras, com manto religioso, que tentam desmontar e enfrentar todo processo revolucionário, perseguem os ativistas operários e juvenis e toda corrente que não aceite seus planos políticos e suas doutrinas reacionárias. Em todos os casos, por sua natureza burguesa e teocrática, nunca são conseqüentes na luta contra o imperialismo.

Dois critérios opostos
As caracterizações políticas das correntes não podem ser determinadas por sua ideologia, ainda que ela seja um componente dessa caracterização. O essencial é o caráter de classe dessa corrente, sua política e seu programa, o que dizem e fazem na luta de classes, sua relação com o sistema social dominante, o imperialismo e sua vinculação com o movimento de massas. O elemento determinante não está na superestrutura (a ideologia), mas na estrutura (a luta de classes). A maioria da esquerda mundial utiliza um critério de raciocínio diametralmente oposto: a ideologia é o fio condutor de toda sua caracterização e, por isso, da definição política. Assim, ganha tanto peso a questão da religião na definição de que são correntes essencialmente reacionárias e pré-capitalistas.

Qual a política que devemos ter emrelação a elas?
Na esquerda mundial, abriu-se uma discussão sobre a política que se deve ter diante dos enfrentamentos entre essas correntes e o imperialismo. Alguns dizem que se trata de dois setores igualmente reacionários e que a política deve ser chamar “paz”. Outros os comparam ao fascismo e, portanto, até justificam os golpes militares contra eles.

Muitas organizações dizem que, ao contrário das correntes burguesas e pequeno-burguesas de outros países coloniais e semicoloniais, com as correntes islâmicas não se pode fazer nenhum acordo de unidade de ação e de luta no campo militar contra o imperialismo. Para esta posição, o fundamentalismo islâmico só é antiimperialista e anticapitalista porque pretende retroceder ao feudalismo e por isso devemos combatê-los com tanta força como ao imperialismo.

É uma posição totalmente equivocada. Como nos ensinaram Lenin e Trotsky, diante do enfrentamento de um país mais débil contra o imperialismo defendemos a derrota do imperialismo e, portanto, a vitória do país agredido, independentemente de quão reacionária seja sua direção e seu regime. O fundamentalismo é um fenômeno similar ao nacionalismo burguês. Por isso, preservando a independência política e de classe e sem dar apoio político a essas direções, chamamos a unidade de ação com as correntes islâmicas que enfrentam o imperialismo.

Combatemos contra essas direções colocando no centro as necessidades da luta de classes, a luta contra o imperialismo e os governos servis. Devemos desmascarar sua inconseqüência, seus discursos, sua submissão aos interesses burgueses, seu falso “igualitarismo”, como parte desse combate, e o fazemos do ponto de vista da luta dos trabalhadores e não do “combate contra a religião”.

As raízes sociais do islamismo
Os meios de comunicação ocidentais identificam sistematicamente milhões de trabalhadores e jovens muçulmanos com o “fanatismo religioso”. Fazendo eco, a maior parte da esquerda européia explica o fenômeno islâmico pelo “atraso e ignorância das pessoas desses países”. Se o crescimento do islamismo se assentasse somente nesses fatores, por que as massas não limitariam seu sentimento religioso a freqüentar as mesquitas? Por que o islamismo se associa hoje com um monumental ascenso das lutas, a entrada de milhões de pessoas na vida política, insurreições e revoluções?

Trata-se de buscar as raízes do fenômeno em sua base material. Lenin dizia: “A raiz mais profunda da religião em nossos tempos é a opressão social das massas trabalhadoras, sua aparente impotência total diante das forças cegas do capitalismo”.

A brutalidade do imperialismo agonizante, as inúmeras expressões da barbárie, a bancarrota do stalinismo e do antigo nacionalismo burguês e o inesgotável ímpeto e heroísmo das massas, sua reiterada vontade de lutar, explicam o fenômeno do islamismo. Situar o combate contra as direções islâmicas no terreno da “luta contra a religião” acaba ajudando o imperialismo e os aiatolás da vez. Resumindo esse debate em poucas linhas: o chamado fenômeno islâmico das duas últimas décadas é, em essência, uma expressão distorcida do nacionalismo. Para os revolucionários, as relações com essas correntes se guiam, em linhas gerais, pelos mesmos parâmetros com que atuamos diante das direções nacionalistas burguesas ou pequeno-burguesas quando se chocam com o imperialismo. O crescimento desse sentimento religioso islâmico entre milhões de trabalhadores e jovens do mundo tem profundas raízes sociais e qualquer propaganda revolucionária contra a religião estará subordinada à tarefa central: o desenvolvimento da luta de classes das massas exploradas contra os exploradores.

* Reprodução de trechos do artigo Sobre o Islamismo publicado na revista Marxismo Vivo No 11.

Post author Angel Luiz Parras, de Madrid *
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