O dia 28 de setembro é o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na década de 1990, mas, diante de um cenário de ataques aos direitos reprodutivos da mulher, tornou-se uma data de luta dos movimentos de mulheres e das organizações de classe.

Hoje, para as mulheres, o aborto é sentenciado com a pena de morte. Para mudar essa realidade, é preciso encarar o problema sem julgamentos morais ou religiosos, mas como uma questão de saúde pública. É preciso dizer não ao Projeto de Lei 5069/2013, de Eduardo Cunha (PMDB), que retrocede na garantia de direitos reprodutivos. Mas também lutar para derrotar esse governo e a oposição burguesa, que não garantirão a legalização do aborto, condição para defender a vida das mulheres trabalhadoras.

A criminalização sentencia as trabalhadoras à pena de morte
O aborto clandestino é uma realidade em nosso país. Quase ninguém gosta de falar sobre o tema, mas muita gente conhece ou ouviu falar de alguma mulher que tenha abortado. Pesquisas demonstram que 1 a cada 5 mulheres terão um aborto até o fim de sua vida reprodutiva. Os dados do Ministério da Saúde confirmam que ocorrem 2 milhões de partos por ano e cerca de 1 milhão de casos de internamento de mulheres por abortamento no mesmo período.

A política do Estado desde o surgimento do Código Penal, em 1940, tem sido criminalizar o procedimento. De acordo com a legislação brasileira, a mulher que comete o aborto em si própria ou autoriza alguém a fazê-lo, pode ser punida com prisão de 1 a 3 de anos. Quando o procedimento é realizado contra a vontade da mulher ou em menores de idade, com ou sem consentimento, a punição é de 3 a 10 anos de prisão. Apenas em três casos a legislação admite o procedimento: quando o feto possui deformações cerebrais incorrigíveis (anencéfalo), quando há risco de morte para a gestante ou quando a gravidez é decorrente estupro. Mesmo permitido por lei, é necessária autorização judicial, um hospital que aceite fazer o procedimento e um médico que não alegue objeção de consciência para realizar o aborto.

A proibição e a punição, no entanto, não tem sido eficaz para diminuir o número de abortamentos no Brasil. O próprio governo admite que para cada duas mulheres que dão a luz a um filho, uma aborta. Esse dado pode ser maior, porque nessa conta só entram os dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Não se contabilizam os procedimentos que não passaram por uma unidade hospitalar. É o caso de uma parcela de mulheres (na sua maioria branca e pertencente a estratos médios ou burgueses) que pode desembolsar entre R$ 4 e R$ 5 mil para pagar por um procedimento em uma clínica clandestina onde terá sua saúde assegurada, ficará longe da mira da policia, não será presa, não morrerá e não entrará nas estatísticas.

A lei, como está hoje, legaliza a pena de morte para as mulheres trabalhadoras, em sua maioria pobre e negra que, por falta de condições econômicas para burlar a legislação, recorrem a procedimentos mal sucedidos, feitos em condições de higiene inadequadas, com instrumentos caseiros (como agulhas de tricô), chutes na barriga, medicamentos abortivos clandestinos e tantos outros métodos. São elas que podem ser presas, ter problemas de saúde ou mesmo morrer.  São elas a terem como sanção a morte. E não são poucas. As estatísticas mostram que cerca de 150 mil a 200 mil mulheres, mais ou menos 2% das mulheres de nosso país, ficarão com seqüelas para toda vida ou morrerão por conta de procedimentos mal sucedidos. É como se a cada dois dias uma mulher morresse vítima de aborto clandestino.

Ao invés de cadeia, legalizar o procedimento e investir em saúde pública
A quantidade de mulheres vítimas de abortamento clandestino é tão chocante que o aborto já é considerado a quarta causa de morte materna no país. O mais triste é que essas mortes poderiam ser evitadas, na maioria das vezes, caso o procedimento fosse feito em local seguro e com acompanhamento médico. É o que diz o Conselho Federal de Medicina (CFM), que desde 2013 considera esses dados como um grave problema de saúde pública e recomenda que ao invés da proibição, o procedimento seja descriminalizado para que se possa preservar a vida das mulheres.

As mulheres que abortam em geral são mulheres comuns, não criminosas. Conforme a pesquisa científica PNA/UNB (2010), o perfil de uma mulher que aborta é o perfil de uma mulher trabalhadora. Ela possui entre 24 a 39 anos, é casada, religiosa, possui em média dois filhos e ganha até 5 salários mínimos. São mulheres que sequer podemos imaginar que poderiam fazer um aborto. Aliás, a pesquisa também demonstra que a maioria das mulheres o faz contra suas próprias crenças, pois se declaram contra o aborto. E o fazem por pressão da sociedade, falta de condições econômicas ou mesmo impossibilidade de levar a gestação até o fim. Elas merecem atendimento médico e não cadeia.

Em sua maioria, os brasileiros concordam que o procedimento seja feitos nos termos permitidos pela lei, mas quando o assunto é legalizar, somente 2 em cada 10 brasileiros se dizem a favor. Os argumentos contra a descriminalização e legalização são variados. O mais comum é que “a mulher não teria o direito de retirar a vida de outra pessoa que não pediu para nascer”. Há os que dizem que “a mulher que se submete ao procedimento fere a moral cristã e atenda contra a sociedade”, que  “ela deveria  pensar bem antes de ficar grávida e se prevenir”. Outros até admitem que a mulher possa não querer a criança e argumentam: “ao invés de abortar não seria melhor levar a gravidez até o fim e de doar o bebê para adoção” ou “o aborto seria uma solução fácil diante de um problema complexo”?

Todas essas justificativas colocam o problema da seguinte maneira: a mulher que ficou grávida tem responsabilidade sobre a gravidez, mas é o Estado quem quer regulamentar o que ela faz com seu corpo. Não parece uma contradição? Esse mesmo Estado que não assegura as condições mínimas para o exercício da maternidade para as mulheres trabalhadoras –  não há atendimento pré-natal para todas, não há creches para os filhos e não há sequer um salário digno para que as famílias possam criar seus filhos –  quer obrigá-la a levar uma gravidez que não deseja ou não pode dar seqüência. Isso é assim porque a igreja, a escola, a televisão e o próprio Estado estimulam a compreensão de que o papel da mulher é ser mãe e que a maternidade seria um ato do qual não pudesse, por sua condição de mulher, abster-se. Ser mãe é um ato social e não uma predestinação biológica. Nenhuma mulher que não queira ser mãe deve ser obrigada a isso.

Nós acreditamos que a mulher deve ter o direito a decidir sobre o seu próprio corpo. Hoje quem decide é a lei e igreja. Isso significa que quem vai dizer se aborta ou não é ela. O Estado deveria ser laico, ou seja, não basear suas leis em pressupostos morais ou religiosos. Deveria assegurar o aborto, legalizando o procedimento. Isso não quer dizer que deveria obrigar todas a abortar, mas o correto seria respeitar  uma decisão  individual, baseada nas crenças, culturas e convicções de cada um. Não cabe ao Estado decidir, mas garantir as condições para que as mulheres não tenham de pagar com a morte uma escolha que deveria cabe somente a si própria.

Defendemos que o país tenha uma política pública para prevenção, com educação sexual e distribuição de contraceptivos gratuitos e sem burocracia para evitar gravidez e abortos indesejados, mas isso só pode ser completo com a legalização do procedimento, e ser feito de modo gratuito, sem burocracia e pelo SUS.

Em todos os países onde o aborto foi legalizado, ocorreu uma diminuição significa dos abortos, ao passo que nos países onde ele é criminalizado, como na América Latina, os índices são alarmantes. O Uruguai, país vizinho ao nosso, legalizou o procedimento há pouco mais de um ano e a avaliação após seis meses da lei é que as mortes por abortos clandestinos haviam cessado.

Contra o PL 5069/2013, os cortes na saúde e na Secretaria de Política para as Mulheres
Neste ano, um dos centros das reivindicações é o arquivamento do PL 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha (PMDB), que tramita no Congresso Nacional. Este projeto propõe aumentar a criminalização das mulheres que abortam, considerar que aquelas que publicamente se manifestem pelo direito a decidir sejam punidas e, o maior dos absurdos, desobriga os hospitais a realizarem procedimentos de aborto em casos de mulheres vítimas de estupro. Enquanto a própria Igreja Católica e o Papa orientam que as fiéis que recorreram ao aborto sejam perdoadas, o deputado quer retirar inclusive as poucas exceções que a lei garante. E o pior de tudo é que o projeto também dificulta o acesso à pílula do dia seguinte e ao abortamento legal no sistema público, pois criminaliza o profissional que ajudar qualquer vítima de violência a ter acesso a eles.

Mas enganam-se quem acha que Cunha está sozinho nesse projeto. Dilma durante todo seu mandato disse que a legalização do aborto não era um assunto para o Executivo. A falta de iniciativa do governo do PT dá margens para que os setores mais reacionários e conservadores avancem. O fim do status de ministério da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres e os cortes na saúde feitos em favor do ajuste fiscal dificultam ainda mais os investimentos em políticas de prevenção às mortes por abortamento.

Chega de Dilma, Aécio e Cunha: derrotar o governo e conquistar o direito das mulheres nas ruas!
Não podemos nos enganar: apesar de mulher, Dilma não governa para as trabalhadoras. Cunha é um militante contra os direitos das mulheres e Aécio nem de longe é a alternativa, porque o PSDB sempre representou os setores mais conservadores da sociedade, e quando foi governo tampouco atendeu os interesses das mulheres trabalhadoras, menos ainda em relação à legalização do aborto.

Para garantir nossos direitos, é necessário derrotar esse governo e a oposição burguesa. Nosso lugar, neste dia 28, é nas ruas e nas categorias organizadas, construindo uma alternativa para nossa classe, sem governos e sem patrões. Somente assim poderemos avançar para legalizar o aborto no país e reduzir as mortalidades por aborto clandestino.