Redação

 

A tentativa de apagamento da memória é parte fundante do projeto sionista de limpeza étnica na Palestina, levado a cabo há mais de 68 anos – quando Israel foi criado como um estado homogêneo judeu (para os palestinos, a maioria não judeus, a nakba, ou seja, catástrofe). Em visita ao Brasil no mês de abril deste ano, as jornalistas palestinas Lina Alsaafin e Rita Abu Ghosh denunciaram em palestra na Universidade de São Paulo (USP) que a educação é basilar à continuidade e expansão desse projeto.

E isso ocorre não só em Israel (Palestina de 1948), mas também na Cisjordânia, território ocupado militarmente em 1967. Nas escolas, é proibido mencionar a nakba e intifadas (levantes populares contra a ocupação). “Os professores que desafiam essa norma podem perder seus empregos ou até mesmo ser presos”, enfatizou Abu Ghosh. Ela informou no ensejo que desde os malfadados acordos de Oslo, em 1993, essa situação piorou. “Quando a Autoridade Nacional Palestina (ANP) foi criada, naquele ano, elaborou-se um novo currículo escolar que não estabelece nada sobre pontos chave da história da Palestina”, afirmou, no relato minucioso e aterrador feito pelas jornalistas da colaboração da ANP a Israel, desde sua instituição, como consequência de sua dependência material. “A Autoridade depende economicamente da ocupação, das ONGs e dos acordos com Israel”, revelou Alsaafin.

Não só nas salas de aula, mas no trajeto para chegar até elas, os estudantes palestinos vivem um cotidiano de apartheid e desumanização. Todo um aparato serve a esse sistema: postos de controle, um gigantesco muro do apartheid, humilhação, limitação no direito de ir e vir (muitas vezes, precisam andar quilômetros para percorrer uma distância que seria infinitamente menor, porque são proibidos de circular em determinadas ruas e há estradas exclusivas para colonos israelenses).

Em Gaza, diante do desumano cerco israelense que já dura dez anos e a consequente falta de eletricidade durante boa parte do dia, alunos são obrigados a estudar no escuro. Na última ofensiva sionista à estreita faixa, em 2014 – um verdadeiro genocídio, em que foram assassinadas 2.200 palestinos, entre os quais mais de 500 crianças -, estabelecimentos de ensino foram inteiramente destruídos. Sem permissão até mesmo de obter cimento, a reconstrução de todas as instalações ainda não foi possível.

Ao 1,5 milhão de palestinos que vivem onde hoje é Israel – 20% da população total –, a educação é impactada pelo racismo que impera contra essa parcela. A historiadora israelense Nurit-Peled publicou um livro intitulado “Os palestinos nos livros escolares israelenses: a ideologia e a propaganda na educação”. Ela argumenta que nos livros didáticos, os palestinos são marginalizados e desumanizados e as crianças israelenses são preparadas para servir à ocupação. Assim, denuncia o discurso racista construído para transmitir a ideologia do opressor (assista sua entrevista em https://www.youtube.com/watch?v=GCcV7AtYgwo). A educação, nesse quadro, também está colonizada.

E no Brasil?
Como ensinou o educador Paulo Freire (1921-1997), não existe educação neutra. Em geral, está a serviço da classe dominante e, portanto, reproduz sistema de ideias para que seu poder não seja ameaçado. Portanto, está a serviço do “partido do capital” – o termo gramsciano que se referia à imprensa cabe também aqui. Freire dizia que a educação poderia ser libertadora e ensinar as pessoas a serem sujeitos da história. Isso, obviamente, requereria uma formação crítica.

No Brasil, não obstante o esforço heroico de professores conscientes, esse ideal está longe de ser alcançado. Ao contrário, a proposta absurda denominada “Escola sem partido” visa impedir qualquer avanço nesse sentido. O nome sugestivo oculta a real intenção: aprofundar a formação acrítica, tão necessária a que os oprimidos e explorados não tomem o destino em suas mãos.

Israel, que sempre buscou intervir na educação mesmo no Brasil – provocando, mediante pressão, demissões e silenciamento –, aparentemente expande suas garras, surfando nessa onda. Incorpora ao projeto retrógrado e estapafúrdio que tramita no Senado a universidade, como demonstrado no caso da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Vale relembrar que após a publicação de um edital para abertura de concurso público a professores da área de relações étnico-raciais, um dos conteúdos programáticos a ser estudado para a prova escrita – “Conexões da branquidade e dos regimes racistas: apartheid, sionismo, nazismo” – foi alterado por pressão da Confederação Israelita do Brasil (Conib). A desgastada e falsa alegação de “antissemitismo” – para silenciar toda crítica a Israel – foi o recurso utilizado. Cedendo vergonhosamente a essa intervenção na autonomia da universidade, em reunião com a entidade no dia 12 de julho, o ministro da Educação, Mendonça Filho, determinou retificar esse conteúdo. A parte final, que incluía os três regimes citados – entre eles, o sionismo –, foi excluída por edital.

Uma demonstração de a quem servirá a “Escola sem partido”. É preciso, no Brasil, inspirar-se nos palestinos e resistir. Mesmo sob ocupação, eles têm elevado nível de escolaridade. O conteúdo que lhes é negado – parte de sua identidade, memória e história – é ensinado em casa. Na Palestina, em que todos os direitos humanos fundamentais são violados, a educação é parte da resistência. Modelo a ser seguido no Brasil.