Encontro dos assalariados rurais e agricultores familiares da CSP-Conlutas do Nordeste faz avançar a organização da central no campo

Bureau, pronuncia-se “birô”, é um termo de origem francesa e significa “escritório” ou “repartição”. Ou ainda o estabelecimento onde se realizam trabalhos administrativos. Em alguns países, como o Brasil, também identifica uma escrivaninha, móvel de escritório, utilizada para o trabalho ou estudo.

A frase da Dona Fao nos chamou a atenção: “a luta não se faz no bureau”.

Dona Fao é uma agricultora de Ipojuca, na Zona da Mata canavieira de Pernambuco. Ipojuca fica na mesma região em que está instalado o Complexo Industrial e Portuário de Suape e é uma região muito conhecida pelas suas bonitas praias, como a de Porto de Galinhas.

Mas Dona Fao nos alertou para outras coisas que aquela região encerra: a violência do latifúndio, o descaso dos governantes, a opressão e a resistência das mulheres.

Assentada da reforma agrária, casada, com um filho apenas, essa mulher, de pequena estatura, franzina, de pele clara e traços que não escondem a dura vida que leva no campo desde criança explicou, em uma de suas intervenções, que estudou apenas até a terceira série, assina o nome, lê as palavras e frases mais simples.

E foi essa mulher, uma lutadora incansável, que resumiu numa frase e numa palavra “estrangeirada” o espírito do encontro ocorrido nesse final de semana, na cidade do Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco.

Na mesma intervenção ela arrematou: “somos uma corrente para ajudar uns aos outros”, juntando dois conceitos fundamentais: a nossa organização é para a luta (e não para ficar na burocracia) e a nossa luta é coletiva.

O encontro juntou cerca de 50 ativistas, de quatro estados (Pernambuco, Ceará, Maranhão e Piauí) representando duas federações estaduais e cerca de 20 sindicatos e associações de 13 municípios, além de uma representação do movimento quilombola do Maranhão, MOQUIBOM.

Contou com a presença de representantes da CSP-Conlutas estadual de Pernambuco e também da Secretaria Executiva Nacional da Central, além de diversas entidades e movimentos filiados à central no estado e também do Andes-SN.

Foram dois dias de muita discussão, com painéis sobre a situação política nacional, a realidade no campo brasileiro, a história das lutas camponesas em Pernambuco, as condições das mulheres e dos negros e negras na luta dos trabalhadores, a concepção sindical classista e de luta da nossa central…

Além de trabalhos em grupos e a formulação de um plano de trabalho para o próximo período, que objetiva consolidar os avanços que a central vem tendo no Nordeste, em sua implantação no movimento dos trabalhadores rurais.

A participação das mulheres no encontro foi muito ativa. Além da Dona Fao, a abertura foi conduzida por Joelma, presidenta do Sindicato dos Empregados Rurais e Assalariados de Petrolina/PE. Esse é o maior sindicato de trabalhadores rurais da região Nordeste, com mais de 20.000 empregados e assalariados rurais, e fica no São Francisco pernambucano, um pólo de exportação de frutas e bebidas para a Europa.

Joelma destacou o histórico das lutas nessa região, que enfrenta forte resistência dos empresários e dos políticos locais, ressaltando ainda o fato de ser mulher e negra e estar à frente da organização dos trabalhadores e trabalhadoras.

E teve ainda a participação do presidente da Federação dos Empregados e Empregadas Rurais de Pernambuco (FEERPE), o companheiro Amaro, importante dirigente que já compôs os quadros da Fetape (federação cutista) e hoje é um dos principais impulsionadores da organização da CSP-Conlutas na região.

Joelma ainda conduziu o primeiro dia da reunião, assim como Joélia, operária/técnica em laboratório da Monsanto, também diretora do Sindicato de Petrolina, que conduziu o segundo dia. Já a assessora da central, Nise Santos, coordenou a apresentação e consolidação dos relatórios dos grupos de trabalho e a apresentação das resoluções do seminário.

As resoluções serão disponibilizadas em breve e apontam para a consolidação do trabalho desenvolvido nos últimos dois anos e que permitiram a entrada da central entre os trabalhadores rurais, assalariados e pequenos agricultores da região.

Os desafios são grandes, já que há um processo de ruptura de muitos dirigentes e ativistas com a Contag e suas federações, assim como a Fetraf/CUT e com o MST, que buscam uma alternativa de organização sindical.

O encontro teve vários momentos simbólicos, mas um em particular cabe ser destacado.

A história da luta camponesa em Pernambuco registra a importância da organização das Ligas Camponesas, a partir do ano de 1955 e que teve entre seus dirigentes o advogado e, posteriormente, deputado Francisco Julião.

A organização das Ligas começou no Engenho Galileia, na cidade de Vitória de Santo Antão. Os dois sindicatos que representam os trabalhadores rurais de Vitória do Santo Antão   (o SAFER – agricultores familiares – e o SERA – empregados rurais assalariados – estavam ali representados e estão integrados ao projeto da CSP-Conlutas no campo.

Esse fio de continuidade histórica demonstra, em alguma medida, a responsabilidade que repousa nas mãos dos homens e mulheres que se reuniram nesse final de semana e decidiram seguir em frente, construindo uma alternativa de organização dos trabalhadores. Uma alternativa classista, de luta, independente dos usineiros, dos fazendeiros, dos governos locais e das burocracias sindicais que se adaptaram ao jogo do PT e também passaram a ver os latifundiários como novos “heróis” do povo brasileiro sob a batuta dos governos de Lula e Dilma.

Sebastião Carlos, Cacau, é membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas